quinta-feira, 27 de novembro de 2014

POESIA - LALO ARIAS


O FIM, O INÍCIO

escrevo dor e enxergo a terra
em toda sua extensão
homens enlameados
carregando o peso do ouro
nas costas
e a fadiga dos lobos
e o descanso terno dos gatos
escrevo inferno e ele está aqui
sendo criado a meus pés
retorcendo as raízes
enterrando o ar
escrevo purgatório e ouço a voz
que é do purgatório
é ele quem grita poesia
poesia
poesia
o purgatório é um homem extenuado
escrevo céu e é o céu que traz noite
noite
e mais noite ainda
e traz a herança
o sossego
eu escrevo homem
e o homem está aqui
escrevendo paraíso
então eu imagino o lugar
onde estaremos
sem jamais perceber
escrevo terra e ela se levanta
sobe
sobe
e envolve a você e a mim
como num círculo
um tufão dentro de um círculo
que veste você
e que veste a mim
escrevo fogo
e o fogo é o encanto
é a flutuação
o fogo tem a mesma densidade
das nuvens
que sonham com o frio
e com a neve
escrevo ar
e desço
como um suspiro
desço
com a cabeça em seu colo
com as mãos em seus seios
escrevo água
e o incêndio se espalha
por todo o hemisfério norte
e os animais em chamas
correm
correm
para que eu possa continuar a escrever
infinito
e o infinito são as páginas de um livro
que me contam todos os assassinatos
deste e do próximo século
e eu caminho entre os mortos
eu escrevo verbo
e sua voz está lá
mãe de misericórdia
cercando tudo
até encontrar meu centro
escrevo silêncio
e a espada desce
justamente
quando estou de olhos vendados
e escrevo caos
e escrevo paz
e escrevo frio e o frio é o seu ódio
é o que você disse
que sentia por mim
é o que restou em mim
depois
depois
encontro o velho amigo encharcado
de álcool
e escrevo noite
e a noite é a imaginação
é tudo aquilo que faz
com que continuemos vivos
ou mortos
tanto faz
escrevo calor e o calor é lembrança
suicídio
desesperança
e reconciliação
eu escrevo dia e o dia é a ternura
é um coração que sangra
lentamente
no mesmo ritmo
de passos que se arrastam
para longe
de uma velha aldeia
escrevo miséria e a miséria
é um carrossel
é uma família inteira voando
sem conseguir pousar
e escrevo liberdade
fé ouro sopro melancolia
e a melancolia é a verdade humana
assim como quando
escrevo música
escrevo amor
essa palavra cheia de medo
de mágica e loucura
escrevo despertar e o mundo desaparece
com sua dor de mundo
ele não está mais em nenhum lugar
que não seja aqui
quando escrevo desprezo
quando escrevo medo
escrevo oração reza prece
escrevo solidão

        (setembro/2012)
        (Fotografia de Gilbert Garcín)

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