sábado, 29 de novembro de 2014

CONTO – LALO ARIAS


A VERDADEIRA VIDA DE CLOTHILDE

Por exemplo. É sempre assim que eu começo a maioria dos meus textos. Por exemplo, a Thayz na verdade é uma mulher inflável com cérebro monitorado por controle remoto. Quem controla é o Saul, às vezes de longe, quase sempre de pertinho mesmo. O Saul tem mania de meter a mão no bolso. Quem vê de fora acha que o cara tá de sacanagem, se alisando. É não. O Saul tá é mesmo manipulando a porra do controle remoto, quer dizer, o cérebro e, por consequência, os membros infláveis da... Thayz. Isto é mera introdução. No jornalismo os caras chamavam de nariz de cera, mas pra mim, aqui e agora, é só uma maneira de tomar coragem pra contar o que realmente importa: as travessuras da Clothilde.
Vamos começar logo pelo final porque minha “memória recente”, segundo chamam os especialistas, foi pro saco; tudo culpa do Alzheimer. Clothilde é tabagista invertebrada. Acabou de dar uma lufada de Dunhil branquinho aqui nas minhas fuças. Ela não admite que eu fique escrevendo enquanto vagueia pelo quarto-sala-cozinha-banheirinho peladona. Se acha no direito de possuir todos os direitos. Então ela fica nesse vai e vem, rodando. Por tabagista, podemos dizer, explicando melhor, que ela acende um na brasa do outro.
(A guisa de esclarecimento: várias das minhas melhores amigas ficarão levemente furiosas com estas minhas declarações sobre a Thilde – como os meninos, todos assanhados, apelidaram a Clo lá na rua dela quando era menininha e dava pra todos eles, de boa. Vão dizer, as minhas amigas, que eu me transformei num misógino. Sei lá que porra é essa, mas virou moda agora dizer que todo sujeito que não tem papas na língua é misógino ou politicamente incorreto. Então, finalmente esclareço: foda-se.)
Presentemente a Thi – vamos chamá-la assim a partir de agora que é pra simplificar – é da pá virada e vive do passado. Dizem as pessoas do bairro, da cidade e do entorno que ela sempre foi assim. Basta lembrar que aonde ela vai, leva dentro daquela bolsa enorme um retrato de dois por dois (palmos), todo dobradinho que nem sanfona, da época em que ela foi miss primavera do clube Aspéria das quebradas da Vila Clemente Benedette. Tudo isso quando ela era possuída de doze aninhos. De lá pra cá a Thi descambou. Diz que não liga pras aparências, mas vive de salto 18 e shortinho branco, aquele um, bem curtinho. Ela diz que não tá nem aí pra pele, pra barriga avantajada, pras pálpebras infladas e pras estrias das coxas magrinhas. Só que já percebi que ela fez uns enxertos nas bochechas de cima, nas bochechas do meio campo e nas bochechas da área de trás. Odeia pintar as unhas. Então ficam aquelas unhas manchadas de nicotina que ela apara nos dentinhos, também cravejados de nicotina, alcatrão e outras firulas químicas detestáveis pros puristas vigilantes da saúde alheia. A verdade é que ela tá doidinha da Silveira. É viciada, por exemplo, em fazer pose de miss primavera no deck da piscina do Clube Aspéria, ainda. Fica pra lá e pra cá rodando, dando voltinhas e baforadas e carregando a latinha de Schincariol e se expondo pra ninguém ver. Se sentindo desprezada, então ela entorna mesmo. E, lá pelas 16 horas e 48 minutos dos sábados, faça chuva ou faça sol, ela começa a meter o bedelho na vida dos outros só pra chamar a atenção pra si. Ou seja, calúnia, difamação e injúria. O último escolhido fui eu mesmo. Foi a própria desmiolada quem me contou a história toda. Foi dito e comentado, inclusive por todos ali da rodinha roxa (sim, eles todos se vestem de maios, biquínis e calções roxos e são louquinhos por fotinhas) que eu, o barítono aqui, tinha caso com o travesti Ariovaldo. Que porra é essa? Pura maledicência. O Ariovaldo sempre foi pra mim um verdadeiro pai. Então quer dizer que só porque ele me paga umas caixas de Estrela Galícia lá no bar do Canova, eu sou caso dele, ou ele d’eu? Só porque ele compra roupinhas transadas lá no Shopping Alvarado pr’eu, eu enrabo o boiola? Ora, tenham dó de um pobre e inocente senhor. Esse tipo de maledicência não pode mais acontecer. Tá tudo entregue nas franjas do advocatício. Vai dar uma boa grana esse processo.
A Thi acabou de voltar do boteco carregadinha de garrafas. Ela estava peladona e antes de sair pro bar se vestiu de uma saída de banho completamente transparente. Demorou uma hora e meia pra ir daqui até a esquina e voltar. A rapaziada do bar deve ter enlouquecido de tanto rir. A Thi é assim mesmo, sem pundonores. Mas ela já foi melhorzinha. Se hoje fosse trinta e dois anos atrás o povo do boteco ficaria babando por três dias. Agora já passou. Só ela se acha.
A Thilde, só pra variar, morou em Barcelona nos idos dos seus dezesseis aninhos. Fingiu-se de traveca e ganhou uma boa grana. Voltou de lá falida e mal paga, por conta daquele vício que ela adquiriu lá. Ela disse que já se curou. Não acredito em nada do que ela diz. Outro dia ela me contou que no tempo em que viveu que nem hippie em Floripa, ela teve um caso com um ricaço que a levava pra comer lagosta. De repente perguntei o nome do sujeito e ela, de pronto, disse que esqueceu. Dá pra acreditar numa coisa dessa?
Bem, gente, a Thilde tá me exigindo. Ela quer cuidados. Tadinha, mal consegue ela se virar sozinha. Vou levantar a moça da cadeira de rodas e ajeitá-la no vaso sanitário. Tá na hora.

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