NA BEIRA DO FOGÃO DA VOVÓ CHIQUITA
Minha mamãe AnaBanana abraçando minha vovó Chiquita |
Sábados e domingos, sem falta, todo mundo
lá, quer dizer, família e agregados. O dr. Silvio do Amaral, pneumologista
considerado, sobrinho direto da vovó, chegava entorno das 12:36h, mais tardar
12:38h, com sua sacolinha do Mappin recheada com 3 garrafas de cerveja Antarctica
faixa azul, um litro de seu uísque blend - mistura das mais variadas espécies
de sua coleção de escoceses - uma porção bem avantajada de amendoim torradim
com casca, e muito às vezes um belo pedaço de queijo parmesão também faixa azul.
Ele, o doutor, sentava no cantinho, encostado no armário com porta de correr.
Cozinha pequena, mas o coração da Chica - como meu avô Plínio Saretta a chamava
– era imenso. Pois então que muitíssimo antes das 12:30, horário de Brasília,
vovó Chiquita já estava por ali, vagando da pia pro fogão, do fogão pra pia. Os
aperitivos variavam. Nos dias ímpares do mês, pasteizinhos de carne moída, dias
pares, torradinhas cobertas de espinafre, molhinho de tomate e queijo ralado
por cima, coisa dos deuses. Sem contar os amendoinzins que nós, mais
pequeninos, íamos espalhando as casquinhas pela toalha branco-virgem da mesa da
cozinha. Trivial variado nunca, a coisa era de endoidecer até faquir.
Vovó Chiquita era a mais nova das
irmãs, por ordem de entrada neste mundo cruel mas divertidíssimo: Ritinha,
Cocota e Chiquita, as três irmãs. Minha avó, que era mineira de São Sebastião
do Paraíso, pariu 4 meninas. A Clarice não vingou, morreu pititica, mas
vingaram, e como, as outras três, Ana Olímpia – senhora minha mãe que me
abençoa desde lá de riba já vai pra quatro anos -, Maria Amélia – quituteira de
primeira – e por último a Dulce Helena, que também cozinha bem pra lá de
demais. Família lotada de mulheres, como todos os meus queridos leitores podem
muito bem perceber.
Tô lembrando da farra que era quando a
Chiquita fazia nhoque. Farinha pra todo lado. E aquele molho de tomates no fogo
baixinho engrossando muiiito lentamente, então? Aquele cheiro tomava conta das
nossas almas e ia nos enlevando. Tinha um instrumento culinário, um treco cheio
de truques, pra fazer massa de lasanha, talharim, espaguete e outras milongas
mais. Assim íamos vivendo, à base de lombo de porco com tutu de feijão, couve
fininha refogada, arroz branquinho. A bacalhoada da vovó Chiquita então nem vou
contar que senão me ponho a chorar. Até hoje a gente, quero dizer, nós os netos,
tentamos, mas aquilo não tem como igualar. E aquele bife à milanesa bem fininho com purê
de batatas? De vez em quando a minha tia Du (de Dulce Helena) inventava uma
feijoada e a gente já começava a babar na quinta-feira anterior. Mas a vovó
comandava o arroz, a couve, preparava a farofinha à mineira e descascava as
laranjinhas. Chamar esse cardápio de trivial é puro atrevimento. Prosseguindo:
a Chiquita fazia uma polenta logo cedinho e deixava numa forma descansando, pegando
consistência e esfriando lá na mesa do quintal. Depois, já na mesa de almoço, as
gentes derramavam aquela carninha moída refogada por cima da polenta, arrozim,
feijãozim e as outras coisinhas que agora não lembro bem de tanta emoção
estomacal. E íamos por aí a fora, crescendo assim. Tinha os suflês, os
franguinhos a passarinho, as rabadas, as línguas fininhas naquele molho
ralinho, sempre aparado pela melhor das farofas. Sobremesas nem tantas, mas as preciosidades sempre foram os pudins: o manjar branco acobertado por calda de caramelo e ameixas negras, e o pudim de leite condensado, inesquecível e jamais igualado. Que me perdoem minhas irmãs que repetem e repetem as receitas, mas... é que o ingrediente principal de tais sobremesas da vovó Chiquita, elas, as gêmeas, não encontram em qualquer lugar. Aquele ingrediente chama saudade.
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