quinta-feira, 20 de novembro de 2014

CRÔNICA – LALO ARIAS

NA BEIRA DO FOGÃO DA VOVÓ CHIQUITA
Minha mamãe AnaBanana abraçando minha vovó Chiquita
Rua Francisco Leitão, 368, térreo, primeiro apartamento à esquerda. Até hoje não me confirmam - os mapas, as indicações dos Correios, e agora o GPS - se a localização do apartamento da minha avó era no Bairro de Pinheiros, Vila Madalena ou Cerqueira César. Deixa pra lá. Mas subindo a Teodoro Sampaio era só passar a Cônego Eugênio Leite e, pronto, entrando à direita, um pouquinho mais pra lá do meio da quadra, quase chegando na Arthur de Azevedo.
Sábados e domingos, sem falta, todo mundo lá, quer dizer, família e agregados. O dr. Silvio do Amaral, pneumologista considerado, sobrinho direto da vovó, chegava entorno das 12:36h, mais tardar 12:38h, com sua sacolinha do Mappin recheada com 3 garrafas de cerveja Antarctica faixa azul, um litro de seu uísque blend - mistura das mais variadas espécies de sua coleção de escoceses - uma porção bem avantajada de amendoim torradim com casca, e muito às vezes um belo pedaço de queijo parmesão também faixa azul. Ele, o doutor, sentava no cantinho, encostado no armário com porta de correr. Cozinha pequena, mas o coração da Chica - como meu avô Plínio Saretta a chamava – era imenso. Pois então que muitíssimo antes das 12:30, horário de Brasília, vovó Chiquita já estava por ali, vagando da pia pro fogão, do fogão pra pia. Os aperitivos variavam. Nos dias ímpares do mês, pasteizinhos de carne moída, dias pares, torradinhas cobertas de espinafre, molhinho de tomate e queijo ralado por cima, coisa dos deuses. Sem contar os amendoinzins que nós, mais pequeninos, íamos espalhando as casquinhas pela toalha branco-virgem da mesa da cozinha. Trivial variado nunca, a coisa era de endoidecer até faquir.
Vovó Chiquita era a mais nova das irmãs, por ordem de entrada neste mundo cruel mas divertidíssimo: Ritinha, Cocota e Chiquita, as três irmãs. Minha avó, que era mineira de São Sebastião do Paraíso, pariu 4 meninas. A Clarice não vingou, morreu pititica, mas vingaram, e como, as outras três, Ana Olímpia – senhora minha mãe que me abençoa desde lá de riba já vai pra quatro anos -, Maria Amélia – quituteira de primeira – e por último a Dulce Helena, que também cozinha bem pra lá de demais. Família lotada de mulheres, como todos os meus queridos leitores podem muito bem perceber.
Tô lembrando da farra que era quando a Chiquita fazia nhoque. Farinha pra todo lado. E aquele molho de tomates no fogo baixinho engrossando muiiito lentamente, então? Aquele cheiro tomava conta das nossas almas e ia nos enlevando. Tinha um instrumento culinário, um treco cheio de truques, pra fazer massa de lasanha, talharim, espaguete e outras milongas mais. Assim íamos vivendo, à base de lombo de porco com tutu de feijão, couve fininha refogada, arroz branquinho. A bacalhoada da vovó Chiquita então nem vou contar que senão me ponho a chorar. Até hoje a gente, quero dizer, nós os netos, tentamos, mas aquilo não tem como igualar. E aquele bife à milanesa bem fininho com purê de batatas? De vez em quando a minha tia Du (de Dulce Helena) inventava uma feijoada e a gente já começava a babar na quinta-feira anterior. Mas a vovó comandava o arroz, a couve, preparava a farofinha à mineira e descascava as laranjinhas. Chamar esse cardápio de trivial é puro atrevimento. Prosseguindo: a Chiquita fazia uma polenta logo cedinho e deixava numa forma descansando, pegando consistência e esfriando lá na mesa do quintal. Depois, já na mesa de almoço, as gentes derramavam aquela carninha moída refogada por cima da polenta, arrozim, feijãozim e as outras coisinhas que agora não lembro bem de tanta emoção estomacal. E íamos por aí a fora, crescendo assim. Tinha os suflês, os franguinhos a passarinho, as rabadas, as línguas fininhas naquele molho ralinho, sempre aparado pela melhor das farofas. Sobremesas nem tantas, mas as preciosidades sempre foram os pudins: o manjar branco acobertado por calda de caramelo e ameixas negras, e o pudim de leite condensado, inesquecível e jamais igualado. Que me perdoem minhas irmãs que repetem e repetem as receitas, mas... é que o ingrediente principal de tais sobremesas da vovó Chiquita, elas, as gêmeas, não encontram em qualquer lugar. Aquele ingrediente chama saudade.

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