quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

CONTO – LALO ARIAS



LUA DE MEL EM PORTO SEGURO (I)
UMA LENDA VERDADEIRA EM VÁRIAS PARTES
Vinte e dois aninhos, por ai. Eu e ela, Jonas e Mona. Reza a lenda que nascemos na mesma maternidade. Foi lá que nos conhecemos, reza ela, a lenda. Nasci dia 26 e ela 22 de maio, e que fique aqui claro que do mesmo ano. Naquele tempo tinha a tal da incubadora e Mona, parece, estacionou por lá uns dias. Quando nasci, dias depois, nos apresentaram no berçário. Rezam que ficamos em berços vizinhos sorrindo um pro outro, esticando os bracinhos na vã e tresloucada tentativa de entrelaçarmos nossas mãos.
Vinte e dois aninhos, por aí, depois do sucedido e explanado aí acima, nos reencontramos assim por acaso ou, sei lá, por determinação dos céus. Estava eu a me embebedar fortemente na beira do balcão do bar original Rei das Batidas, ali em Sampa City, na Valdemar Ferreira, entrada da USP, quando ela entrou esvoaçando todos aqueles panos do vestido soltinho, florido e na altura dos joelhos. Domingão, o sol comendo. Ela veio direto e me perguntou, assim: “Você que é o Jonas?” Tremi, os joelhos vergaram, gaguejei mais do que o costume e tentei responder: “s-s-s-i-i-i-m”. Aquela mulher já tinha abandonado o hábito de ser apenas uma mulher e já tinha se tornado uma entidade. Ela era uma afronta.
Então Mona contou como soube de mim. Disse que lia minhas cartas, e que amara minha escrita, e também amara minha letra de forma. Ela lera todas as epístolas que eu enviava regularmente ao Saulo Renato. Saulo e eu mantínhamos uma correspondência rica e fluente. Então que a Mona era colega de faculdade da irmã do Saulo, ficou amiga do Saulo e começou a sair com o Saulo, apenas como amigos, disse ela. Aí convidei a menina-moça-mulher pra uma cerveja. Foi quando ela respondeu que não podia porque o Saulo estava esperando por ela no carro ali na esquina e que iriam ao jogo do Corinthians X Portuguesa de Desportos no estádio do Morumbi. Portanto, revendo agora meus arquivos, descubro que tudo isso aconteceu exatamente no dia 18 de março de 1973. Ela disse: vamos? Eu disse: v-v-v-a-a-a-mos.
Mona e Jonas, segundo a lenda
Estádio lotadaço, como diria o Fiori Giglioti. Fomos pra arquibancada corintiana. Saulo na ponta-direita, eu na esquerda, e Mona no meio de campo. Do jogo mesmo eu não estava vendo nada. Só soslaio. As bochechas de Mona, os gritos de Mona, aqueles cabelos com todas as cores entre o castanho e o dourado de Mona, o sol era Mona, tudo no mundo era Mona. Até que saiu o gol. O único gol. A euforia nunca foi tanta, pelo menos pra mim, depois que ela me agarrou e me beijou com eufórica intensidade.
Depois de passados 41 anos, algo se perdeu, na verdade muito se perdeu, principalmente minha memória se perdeu. Então aquele trecho de tempo que foi entre sair do estádio, entrar no carro do Saulo e chegar ao bar do Tordilho, desapareceu completamente da minha cachola. O fundinho do bar estava lotado. Era lá, no bar da Eugênia, que a corintianada e fieis amigos de juventude se reuniam. O Saulo já foi arranjando uma cadeira, ficamos por ali. O Fi na viola, o Biluzinho no atabaque, o Claudião cofiando os bigodes e as barbas e assim por diante. Aurelinho trajava uma sobretudo vermelho com a imagem de um leão em preto. A Márcia estava. A Claudinha, irmã do Fi, na época namorava o Cidinho, que ajeitava os óculos de segundo a segundo que teimava em escorregar do nariz. Ficamos, eu e Mona, meio que encostados na entrada dos banheiros. Era um tempo de grana curta e cabelos compridos. A moda era uma cachaça chamada Mineirinha, virei duas pra afastar a tremedeira. A Mona se encostava em mim propositadamente no meio daquele aperto todo, cheio de gente falando desbragadamente, cantando, tocando e invocando Baco. O Saulo me falou que precisava ir buscar uma amiga nossa, perguntou se eu queria ir junto, perguntou pra Mona se ela queria ir junto. Fomos. Mona na frente e eu atrás. O Saulo estacionou o carro numa rua de Pinheiros e disse: esperem um pouco, vou chamar a Meg e já volto. Creio que o Saulo ficou apoquentado quando voltou acompanhado da Meg e percebeu o seu automóvel vazio, vazio, vazio.
Eu dividia um apartamento com um paraguaio especialista em consertar dentaduras. O apartamento ficava a seis quadras do lugar onde o Saulo estacionara. Aquilo foi uma fuga? Fugimos nós? Bem, meu bem, só sei dizer que eu e a Mona ficamos internados por duas noites e dois dias no meu quarto. Depois de um mês estávamos viajando em lua de mel pra Porto Seguro.
Segurem-se, queridos leitores. A prorrogação da história está por vir. Semana que vem têm mais.

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