segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

POESIA - LALO ARIAS

Fotografia de autoria de Joseph Koudelka



EU E MEU ÚLTIMO CIGARRO

como poderia esquecer
Hart
Crane
eu estava lá
naquele navio
encostado na amurada
fumando meu último cigarro
esquecido do mar
eu que deveria prever
seu salto definitivo
eu e meu último cigarro
tropeçando nas ruas de Havana
com uma garrafa bêbada
numa das mãos
como um barco bêbado
abraçando
as praias
foi quando os garotos entraram
pela cidade
barbudos
festejando
um futuro que nunca viria
quem sabe na Sibéria
eu e meu último cigarro
resgatando os poetas
aprisionados
e quase nos perdemos
eu e meu último cigarro
aquilo era tão
claro
tão
branco
deve ser assim mesmo
o esquecimento
algo claro
na penumbra
espiralando
esse tempo que nunca chega
uma espécie de paz
perdida
no ar
eu estava lá
todos sabem do meu destino
fui eu que fechei o gás
para o Torquato
eu e meu último cigarro
amparando sua queda
Ana
eu que sempre me repito
eu que sequer sei rezar
mas
não há mesmo muito mais do que falar
então
estamos quietos
aqui
eu
meu último cigarro
e o vento frio
dobrando a esquina
eu estava lá
Dadii
eu e sua foto
no bolso
e o amor
na ponta dos dedos
tocando seu rosto
em Ouro Preto
Silvia
até Mariana
naquele trem
o seu riso inesquecível
voando
com o apito
nós ainda estávamos vivos
Paulo
em 1911
acho que em Pequim
sim
Sérgio
têm vezes que eu pressinto
a perda
irremediável
eu
e
meu
último
cigarro
queridos amigos

                                                         (julho, 2010)

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