sexta-feira, 20 de março de 2015

JORNALISMO GONZO – HUNTER THOMPSON

OS HIPPIES
                     UMA REPORTAGEM DE HUNTER S. THOMPSON

ARTIGO ESCRITO ORIGINALMENTE PARA A REVISTA COLLIER’S, EM 1968.
ILUSTRAÇÕES DE RALPH STEADMAN
O melhor ano para ser hippie foi 1965, mas não se tem muito a escrever sobre isso, porque muito do que aconteceu não foi em público e muito do que aconteceu em lugares privados era ilegal. O verdadeiro ano hippie foi 1966, apesar da falta de publicidade, que em 1967 veio como uma avalanche em âmbito nacional na Look, Life, Time, Newsweek, a Atlantic, o New York Times, o Saturday Evening Post, e até a Aspen Illustrated News, que fez uma edição especial sobre hippies em agosto de 1967 e teve um recorde de vendas de seis cópias de uma tiragem de 3.500. Mas 1967 não foi realmente um bom ano para ser um hippie. Foi um bom ano para vendedores e exibicionistas que chamavam a si mesmos de hippie e deram entrevistas coloridas para beneficiar os meios de comunicação de massa, mas os hippies sérios, com nada para vender, descobriram que tinham pouco a ganhar e muito a perder virando figuras públicas. Muitos foram perseguidos e presos por não outra razão que senão a sua repentina identificação com o chamado culto de sexo e drogas. O barulho da publicidade, que parecia só uma piada no começo, se transformou em um deslizamento de terra ameaçador. Então algumas pessoas que poderiam ter sido chamadas de hippies originais, em 1965, tinham caído fora da vista no momento em que os hippies se tornaram um modismo nacional, em 1967.
Dez anos antes a Geração Beat passou pelo mesmo caminho confuso. De 1955, a cerca de 1959, havia milhares de jovens envolvidos em uma subcultura boêmia próspera que era apenas um eco no momento em que os meios de comunicação chegaram em 1960. Jack Kerouac foi o romancista da Geração Beat, da mesma forma que Ernest Hemingway foi o romancista da Geração Perdida, e o clássico“beat” de Kerouac, On the Road, foi publicado em 1957. Ainda no começo da década de 1960 Kerouac aparecia em programas de televisão para explicar a “explosão” do seu livro, os personagens em que se baseou já tinham caído no limbo, para aguardar a sua reencarnação como hippies cerca de cinco anos mais tarde. (O mais puro exemplo disso foi Neal Cassidy , que serviu de modelo para Dean Moriarty em On the Road, e também para McMurphy em Um Estranho no Ninho). A publicidade acompanha a realidade, mas somente até o ponto onde um novo tipo de realidade, criada pela publicidade, começa a emergir. Assim, os hippies, em 1967, foram colocados numa posição estranha, como heróis da contracultura, ao mesmo tempo em que eles também estavam se tornando uma propriedade comercial lucrativa. Sua bandeira de alienação parecia estar sendo fincada em areia movediça. A própria sociedade que eles estavam tentando abandonar começou e se idealizar neles. Eles eram famosos de uma maneira obscura, que não era bem infâmia, mas colorida e ambivalente, e ainda vagamente perturbadora.
Apesar da publicidade da mídia de massa os hippies ainda sofrem, ou talvez não, da falta de um conceito que os defina. O dicionário Random House de língua inglesa foi um best-seller em 1966, ano de sua publicação, mas não tinha uma definição para hippie. O mais próximo que chegou disso foi a definição de “hippy”: “Ter quadris largos; uma garota hippy.” O verbete “hip” estava mais próxima ao uso contemporâneo. “Hip” é uma gíria, segundo o Random House, que significa “familiarizados com as últimas ideias, estilos, desenvolvimentos, etc.; informado, sofisticado, experiente(?).” Essa interrogação é suspeita, mas parte significativa de comentário editorial.
Todos parecem concordar que os hippies tem difundido algum tipo de apelo, mas ninguém pode dizer exatamente o que eles representam. Nem mesmo os hippies parecem saber, embora alguns possam ser muito articulados quando se trata de detalhes.
 “Eu amo o mundo todo”, disse uma menina de 23 anos de idade de São Francisco, no distrito de Haight-Ashbury, capital mundial dos hippies. “Eu sou a mãe divina, parte de Buda, parte de Deus, parte de tudo.”“Eu vivo um dia de cada vez. Eu não tenho dinheiro nem posses. O dinheiro só é belo enquanto esta girando; quando se acumula se torna desnecessário. Nós cuidamos um do outro. Há sempre algum para comprar arroz e feijão para o grupo, e as pessoas sempre sabem que tenho “mato” (maconha) ou “ácido” (LSD). Eu estive em um hospital psiquiátrico uma vez, tentei me conformar e jogar o jogo. Mas agora estou livre e feliz.” Ela foi perguntada se usava drogas com frequência. “Bastante”, respondeu. “Quando me vejo ficando confusa saio e tomo uma dose de ácido. É um atalho para a realidade; ele te joga direto dentro dela. Todos devem tomar, até mesmo as crianças. Por que elas não devem ser iluminadas cedo, vamos esperar até ficarem velhas? Os seres humanos precisam de liberdade total. Isso é o que Deus diz. Nós precisamos nos livrar da hipocrisia, da desonestidade e da falsidade, e voltar à pureza dos nossos valores de infância.”
A próxima pergunta foi “Você reza?” “Ah, sim”, disse ela. “Eu rezo no sol da manhã. Ele me nutre com energia para que eu possa espalhar meu amor e beleza, e nutrir os outros. Eu nunca rezo por qualquer coisa; Eu não preciso de nada. Qualquer coisa que me excita é uma eucaristia: LSD, sexo, meus sinos, as minhas cores… Essas são as comunhões santas, sacou?” Isso é definitivamente um comentário de alguém que sempre vai ser um hippie praticante. Ao contrário dos beatniks, muitos dos que estavam escrevendo poemas e romances pensando em se tornar a segunda onda de Kerouacs ou Allen Ginsbergs, os formadores de opinião hippie cultivaram entre os seus seguidores uma forte desconfiança em relação à palavra escrita. Jornalistas são ridicularizados, e os escritores são chamados de “aberrações”. Por causa desta ignorância estilizada, alguns hippies conseguem ser extremamente articulados. Eles preferem se comunicar pela dança, ou pelo toque, ou percepção extra-sensorial (PES). Eles falam, entre si, sobre as “ondas de amor” e “vibrações” (“energias”) que vêm de outras pessoas. Isso deixa muito espaço para a interpretações subjetivas, e é aí que reside a chave para o apelo dos hippies.
Isso não quer dizer que os hippies são amados universalmente. De costa a costa as forças da lei e da ordem confrontam os hippies com extrema repugnância. Aqui estão alguns comentários representativos vindos de Denver, Colorado, de um tenente da polícia. Denver, disse ele, estava se tornando um refúgio para os “cabeludos, vagabundos, antissociais, psicopatas, usuários de drogas perigosas, que se referem a si mesmos como “contracultura hippie, um grupo que se rebela contra a sociedade e comprometido com o abuso de substâncias e narcóticos perigosos.” A idade deles varia, ele continuou, entre 13 e o início dos 20 anos, e eles pagam por suas necessidades básicas como “parasitas, mendigando, e emprestando dos um dos outros, seus amigos, pais e completos estranhos… Não é incomum encontrar até 20 hippies vivendo juntos em um apartamento pequeno, de forma compartilhada, com seu lixo e tranqueiras amontoados do chão ao teto em alguns casos.”
Um de seus colaboradores, um detetive de Denver, explica que os hippies são uma presa fácil para serem presos, pois “é fácil procurar e localizar drogas e maconha porque eles não tem nenhuma móvel para esconder, só um colchão para deitar no chão. Ele não acreditam em nenhuma forma de produtividade,” ele disse, “e ainda tem repulsa por trabalhar, dinheiro e posses materiais, os hippies acreditam no amor livre, na legalização da maconha, queimar os RGs, ajuda e amor mutuo, na paz, e no amor incondicional. Eles são contra a guerra e acreditam que tudo e todos, exceto a polícia, são maravilhosos.”
Muitos dos chamados hippies gritam “amor” como uma senha para o cinismo, e usam isso como uma obscura cortina de fumaça de suas próprias ganâncias, hipocrisias ou deformidades mentais. Muitos hippies vendem drogas, e enquanto a grande maioria dos traficantes de merda vendem apenas o suficiente para pagar só suas próprias contas, alguns poucos tem um lucro de US$20.000 por ano. O quilo (2.2 libras) de maconha, nestas ocasiões, custa cerca de US$35 no México. Depois de cruzar a fronteira (como um quilo) para qualquer lugar o valor gira entre US$150 e US$200. Quebrado em 34 onças, passa a valer entre US$15 e US$25 a onça, ou entre US$510 e US$850 o quilo. O preço vária de cidade para cidade, faculdade para faculdade, ou costa para costa. “Mato” é geralmente mais barato na California do que no Leste. A margem de lucro se torna maior, independentemente da geografia, quando um quilo mexicano de US$35 é dividido em “trouxinhas”, ou cigarros de maconha, vendidos nas esquinas das ruas da cidade por cerca de um dólar cada. O risco aumenta naturalmente com o potencial de lucro. É uma coisa para pagar uma viagem ao México, trazendo de volta três quilos e vendendo dois para um círculo de amigos:

O único risco que há é a possibilidade de ser vistoriado e apreendido na fronteira. Mas um homem que é preso por vender centenas de “trouxinhas” para estudantes do ensino médio em uma esquina na rua em St. Louis pode esperar o pior quando o seu caso chegar no tribunal.
O historiador britânico Arnold Toynbee, com 78 anos, fez uma excursão pelo distrito Haight-Ashbury, em São Francisco, e escreveu suas impressões para o London Observer. “Os líderes do establishment”, disse ele, “estão cometendo o erro de suas vidas se estão desconsiderando e ignorando a revolta dos hippies, e de muitos dos hippies não hippies contemporâneos no chão, alegando que também são vagabundos vergonhosos ou traidores, ou apenas crianças tolas que estão semeando suas veias selvagens”.
Toynbee realmente nunca apoiou os hippies; ele explicou sua afinidade apenas pelo foco na história. Se a raça humana quer sobreviver, ele disse, a ética, moral e os hábitos sociais do mundo devem mudar: A ênfase deve ser em mudar do nacionalismo para a humanidade. E Toynbee viu nos hippies um ressurgimento esperançoso dos valores humanitários básicos, parecendo com o que ele e outros pensadores antigos pensavam sobre uma causa, tragicamente perdida na atmosfera envenenada pela guerra da década de 1960. Ele não tinha certeza do que os hippies realmente representavam, mas desde que eles fossem contra as mesmas coisas que ele era contra (a guerra, a violência e a especulação desumanizada), ele naturalmente estaria do seu lado, e vice-versa.
Há uma continuidade clara entre os beatniks dos anos 1950 e os hippies da década de 1960. Muitos hippies negam isso, mas como um participante ativo em ambas as cenas, tenho certeza que é verdade. Eu estava vivendo em Greenwich Village, em Nova York, quando os beatniks chegaram à fama durante 1957 e 1958, me mudei para São Francisco em 1959 e depois para a costa Big Sur em 1960 e 1961, então, depois de dois anos na América do Sul e um no Colorado, eu estava de volta em São Francisco, vivendo no distrito de Haight-Ashbury, durante 1964, 1965 e 1966. Nenhuma dessas mudanças foram intencionais em termos de tempo ou lugar; elas só tinham que acontecer. Quando me mudei para o Haight-Ashbury, por exemplo, nunca tinha ouvido esse nome. Mas tinha acabado de ser expulso de um outro lugar depois do prazo de três dias, e o primeiro apartamento barato que encontrei foi na rua Parnassus, a poucos quarteirões da Haight.
Naqueles tempos os bares no que hoje é chamada de “a rua” eram predominantemente negros. Ninguém nunca tinha ouvido a palavra “hippie”, e toda a música ao vivo era jazz do tipo Charlie Parker. Há muitos quilômetros de distância, descendo pela baía, no bairro relativamente elegante e caro Marina, uma nova boate chamada Matrix estreou, completamente sem publicidade, com uma banda igualmente sem publicidade chamada Jefferson Airplane. Mais ou menos ao mesmo tempo, o autor “hippie” Ken Kesey (Um Estranho no Ninho, 1962, e Sometimes a Great Notion, 1964) estava conduzindo experiências com luz, som e drogas na sua casa em La Honda, nas colinas arborizadas cerca de 50 milhas ao sul de São Francisco. Como resultado de uma rede de circunstância, amizades casuais, e as conexões no submundo de drogas, a banda Merry Pranksters, de Kesey, logo foi ao palco junto com o Jefferson Airplane, e depois com o Grateful Dead, outra banda descontroladamente elétrica que mais tarde se tornaria conhecida de costa a costa, com o Airplane sendo os heróis originais do som acid-rock de São Francisco.
Durante 1965, o grupo de Kesey encenou, com bastante publicidade, testes com ácido, que contou com a música do Grateful Dead e suco em pó enriquecido com LSD. As mesmas pessoas estavam na Matrix, nos testes com ácido, e na casa de Kesey em La Honda.Eles usavam roupas estranhas, coloridas e viviam em um mundo de luzes selvagens e música alta. Estes foram os hippies originais.


Foi também em 1965 que comecei a escrever um livro sobre os Hell’s Angels, uma notória gangue de motociclistas foras da lei que havia atormentado a Califórnia por anos, e o mesmo tipo de estranha coincidência que concretizou todo o fenômeno hippie também trouxe o Hell’s Angels a cena. Eu estava tomando uma cerveja com Kesey uma tarde, em uma taverna em São Francisco, quando mencionei que estava a caminho do quartel-general dos Frisco Angels para pegar um tambor brasileiro que um deles queria me emprestar para uma gravação. Kesey disse se estava tudo bem que ele fosse junto, e quando se encontrou com os Angels convidou eles para uma festa no fim de semana em La Honda. Os Angels foram e assim conheci um monte de gente que estava morando em Haight-Ashbury pela mesma razão que eu (aluguel barato e bons apartamentos). Pessoas que vivem a dois ou três quarteirões um do outro nunca se percebem até que se conheçam em uma festa pré-hippie. Mas de repente todo mundo estava vivendo em Haight-Ashbury, e essa união acidental assumiu um estilo próprio. Tudo o que faltava era um rótulo, e o San Francisco Chronicle veio rapidamente com um. Essas pessoas eram “hippies”, disse o Chronicle, e eis que o fenômeno foi lançado. O Airplane e o Grateful Dead começaram a anunciar suas festas pouco frequentadas com cartazes psicodélicos, que eram doados no início e depois vendidos por US$1 cada, até que, finalmente, os cartazes ficaram tão populares que alguns dos originais estavam sendo vendidos nas melhores galerias de arte de São Francisco por mais de US$2.000. A essa altura tanto o Jefferson Airplane, quanto o Grateful Dead, tinham contratos de gravação de ouro, e uma das melhores peças do Airplane, “White Rabbit”, estava entre os singles mais vendidos no país.
Nessa época, também, o Haight-Ashbury tornou-se uma porra de uma Meca barulhenta para loucos, traficantes de drogas e curiosos, e já não era um bom lugar para se viver. A rua Haight estava tão lotada que os ônibus municipais precisavam ser desviados por causa dos engarrafamentos.

Ao mesmo tempo, “Hashbury” estava se tornando um imã para toda uma geração de jovens abandonados, todos com suas reservas canceladas na grande linha de montagem: os enroladores, as almas rasgadas concorrendo por status e segurança na sempre gorda, ainda que cada vez mais estreita, economia americana do final dos anos 1960. Como as recompensas pelo status eram maiores para os ricos, a competição ficou mais dura. A nota de reprovação em matemática em um boletim do ensino médio tinha implicações muito mais graves do que simplesmente uma redução na mesada: pode alterar as chances de um menino de entrar na faculdade e, no próximo nível, de conseguir o “trabalho certo”. A medida que a economia exigiu habilidades cada vez maiores, produziu cada vez mais abandonados tecnológicos. A principal diferença entre os hippies e outros abandonados foi que a maioria dos hippies eram brancos e voluntariamente pobre. Suas origens eram de classe média, em grande parte; muitos tinham ido para a faculdade por um tempo antes de optar por uma “vida natural” mais fácil, sem pressão existencial, à margem da economia do dinheiro. Seus pais, segundo eles, estavam caminhando pela falácia americana do “trabalhe e sofra agora para viver e relaxar depois.”
Os hippies reverteram essa máxima. “Curta a vida agora,” eles dizem, “e se preocupe com o futuro amanhã.” A maioria sobrevivia de favores e coisas compartilhadas, mas em 1967, com seus redutos em Nova York e São Francisco já cheios de peregrinos sem dinheiro, ficou evidente que simplesmente não havia comida e alojamento suficiente para todos.
Uma solução parcial emergiu na forma de um grupo chamado Diggers, algumas vezes citados como “pastores-operários” do movimento hippie. Os Diggers eram jovens e agressivamente pragmáticos; eles montaram centros de alojamento gratuito, refeitórios gratuitos e centros de distribuição de roupas de graça. Eles fizeram um pente fino nos bairros hippies solicitando doações de tudo, desde dinheiro para fornos velhos de pão até equipamento de camping. Em Hashbury foram espalhadas pelas lojas locais caixas Diggers, pedindo doações de martelos, serras, pás, sapatos e qualquer outra coisa que hippies errantes podem usar para serem, pelo menos parcialmente, autossustentável. Os Diggers de Hashbury foram capazes, por um tempo, de servir refeições gratuitas, não interessa se sujos, todas as tardes no parque Golden Gate, mas a demanda era maior que o fornecimento. Mais e mais hippies famintos apareciam para comer, e os Diggers foram forçados a ir cada vez mais longe para conseguir comida.
O conceito de compartilhamento em massa vem junto com o escopo tribal indígena americano, que é a base para todo o movimento hippie. O culto ao tribalismo é visto por muitos como o segredo para a sobrevivência. O poeta Gary Snyder, um dos gurus hippies, ou guia espiritual, vê o movimento de “volta à terra” como resposta para o problema da alimentação e moradia. Ele incita os hippies a sair das cidades, formar tribos, adquirir terras, e viver em comunidades em áreas remotas. No início de 1967 já havia uma meia dúzia de assentamentos hippies funcionando na Califórnia, Nevada, Colorado e no norte de Nova York. Eram barracos primitivos, com cozinhas comunitárias, pomar de frutas e vegetais, e um espetacular futuro incerto. De volta as cidades a grande maioria dos hippies tinha que viver um dia de cada vez. Na Rua Haight aqueles sem emprego remunerado podiam facilmente ganhar alguns dólares por dia pedindo esmola. O fluxo de voyeurs nervosos e curiosos investigadores era uma árvore de dinheiro para a legião de mendigos psicodélicos. Os frequentes visitantes de Hashbury acharavam conveniente manter algumas moedas no bolso porque eles não queriam ter que pechinchar troco. Os pedintes geralmente estavam descalços, sempre jovens, e nunca pareciam arrependidos. Eles iriam compartilhar o que recolhessem com qualquer um, então parecia inteiramente razoável que os estranhos compartilhem com eles. Ao contrário dos beatniks, alguns hippies tem uma caída por bebidas fortes. A birita é supérflua na cultura de drogas, e comida é considerada como uma necessidade a ser adquirida a um custo que seja o menor possível. 
Uma “família” de hippies vai trabalhar horas a fio por um guisado exótico ou curry, mas a idéia de pagar três dólares para uma refeição em um restaurante esta fora de questão.
Alguns hippies trabalham, outros vivem com dinheiro vindo de casa, e muitos têm um bico de meio período, empréstimos de velhos amigos ou transações ocasionais no mercado das drogas. Em São Francisco os correios são a maior fonte de renda hippie. Trabalhos como separar correspondências não requerem pensar muito ou esforço. O único provedor de um “clã” (ou família, ou tribo) era um hippie de meia idade conhecido como Admiral Love, dos Psychedelic Rangers, que tinha um trabalho regular entregando cartas especiais durante a noite. Lá também tinha uma agência de empregos rápidos para hippies, na Rua Haight; qualquer um que precisasse de trabalhador temporário, ou algum tipo de trabalhador especializado, poderia ligar e pedir qualquer talento certo que estivesse à disposição no momento. Significantemente os hippies atraiam uma ceticismo maior, e mais sério, dos seus compatriotas de fileiras da Nova Esquerda do que o vindo de quem seriam seus antagonistas naturais, os políticos de direita. O conservador William Buckley, da National Review, disse numa ocasião, “os hippies estão tentando esquecer o pecado original e isso pode ser difícil para eles depois da morte.” Os editores da National Review estavam completamente perdidos sobre como os argumentos dos hippies sérios já tinham desmistificado a concepção do pecado original, e a idéia de vida após a morte tinha sido derrubada como uma bobeira, uma piada anacrônica. A concepção de algum Deus vingativo, sentado e julgando os pecadores, era estranha para toda ética hippie. Este Deus é gentil e abstrato, e não se importa com o pecado ou o perdão, mas Se manifesta na pureza e instinto de “Seus filhos”.
A marca da crítica da Nova Esquerda não tem nada a ver com teologia. Até 1964, de fato, os hippies eram uma parte muito importante da Nova Esquerda, que ninguém sabia diferençar. “Nova Esquerda”, como “hippie” e “beatnik,” foram termos cunhados por jornalistas e escritores de manchetes, que precisam de definições curtas sobre qualquer assunto que tenham que lidar. O termo veio da rebelião estudantil na Universidade de Berkeley, campus da Califórnia, em 1964 e 1965. O que começou como Movimento Liberdade de Expressão em Berkeley logo se espalhou para outros campi no Leste e Centro-Oeste, e foi visto na imprensa nacional como uma explosão de ativismo estudantil na política, um confronto saudável com o status quo.
Com a força publicitária da liberdade de expressão, Berkeley se tornou o eixo da Nova Esquerda. Seus líderes eram radicais, mas eles também estavam profundamente comprometidos com a sociedade que queriam mudar. Uma comissão de professores da prestigiada Universidade da Califórnia disse que os ativistas eram a vanguarda de uma “revolução moral entre os jovens”, e muitos professores aprovaram. Aqueles que estavam preocupados com o radicalismo dos jovens rebeldes, pelo menos, concordavam com a direção que eles estavam tomando: direitos civis, justiça econômica, e uma nova moralidade na política. A raiva e o otimismo da Nova Esquerda pareciam sem limites. Tinha chegado o momento, segundo eles, para se libertar do jugo político-econômico de um establishment que era, obviamente, incapaz de lidar com as novas realidades.
  
O ano da publicidade da Nova Esquerda foi 1965. Ao mesmo tempo houve menção a alguma coisa chamada esquerda do pot (maconha). Seus membros eram geralmente mais jovens do que os típicos políticos sérios, e a imprensa tratou-lhes como uma gangue frívola de “drogados” e sexo “maluco” apenas para curtição.
No entanto, pouco antes da primavera de 1966, os comícios políticos em Berkeley estavam começando a se tornar festivais da música, insanidade e absurdos. O Dr. Timothy Leary, ex-professor de Harvard, cujos primeiros experimentos com LSD o tornaram, em 1966, uma espécie de sumo sacerdote, mártir e relações públicas para a droga, estava substituindo Mario Savio, líder do Movimento Liberdade de Expressão, como o herói underground número um. Os alunos, que antes eram ativistas furiosos, começaram a deitar em suas almofadas e sorrir para o mundo através de uma névoa de fumaça de maconha, ou se vestindo como palhaços e índios e ficando “bicudos” de LSD por dias. Os hippies estavam mais interessados em cair fora da sociedade do que em mudá-la. A chance veio no final de 1966, quando Ronald Reagan foi eleito governador da Califórnia com quase um milhão de votos. Nesse mesmo novembro o Partido Republicano ganhou 50 cadeiras no Congresso e, servindo como um claro sinal de alerta para a administração Johnson a respeito das chamadas da Nova Esquerda, a maioria do eleitorado era muito mais conservadora do que os radares da Casa Branca tinham indicado. A lição não foi esquecida pelos hippies, muitos dos quais se consideravam, pelo menos parcialmente, ativistas políticos. Uma das vítimas mais óbvias das eleições de 1966 foi a ilusão da Nova Esquerda sobre seu próprio alcance. A aliança radical-hippie contava com os eleitores para repudiar os elementos “de direita, belicistas” do Congresso, mas em vez disso foram os democratas “liberais” que dançaram. Os hippies viram o resultado da eleição como uma confirmação brutal da inutilidade da luta contra o establishment com suas próprias ferramentas. Tinha que haver um cenário todo novo, segundo eles, e a única maneira de fazer isso era criar uma grande mudança, tanto no sentido figurado quanto no literal, de Berkeley para Haight-Ashbury, do pragmatismo ao misticismo, da política para erva, a partir do envolvimento em protestos numa retirada pacífica de amor, natureza e espontaneidade. A crescente, e rápida, popularidade da cena hippie era motivo de preocupação desesperada nos jovens ativistas políticos. Eles viram toda uma geração de rebeldes caindo no limbo das drogas, prontos para aceitar quase tudo, desde que tivesse “soma” o suficiente (como Aldous Huxley chamou a droga psíquica de fuga do futuro em seu romance de ficção científica Admirável Mundo Novo, 1932). Escritores e críticos da Nova Esquerda primeiro elogiaram os hippies pela a sua franqueza e originalidade. Mas logo ficou claro que poucos hippies se importavam com as diferenças entre as políticas de esquerda e direita, menos ainda entre as diferenças da Nova Esquerda e da Velha Esquerda. “Flower power” (o termo deles para o poder do amor), disseram, era apolítico. E a Nova Esquerda rapidamente respondeu com acusações de que os hippies eram “intelectualmente frouxos”, que eles não tinham “energia” e “estabilidade”, que eram realmente “niilistas”, que tinha um conceito de amor “tão generalizado quanto impessoal, assim como sem sentido".
E era tudo verdade. A maioria dos hippies são demasiadamente orientados pela droga para ter qualquer sentimento de urgência para além do momento. Seu slogan é “Agora”, e isso significa instantâneo. Ao contrário de ativistas políticos de qualquer tipo, os hippies não têm nenhuma visão coerente do futuro, que pode ou não existir. Os hippies são afligidos por um tipo debilitante de fatalidade que é, de fato, lamentável. E os críticos da Nova Esquerda são heróicos, à sua maneira, por seguir em frente por eles. Mas a terrível possibilidade dos hippies estarem certos existe, o futuro é deplorável então por que não viver o agora?
Por que não rejeitar todo o caráter essencial da sociedade americana, com todas as suas obrigações, e fazer a paz em outro lugar? Os hippies acreditam que estão fazendo estas perguntas por toda uma geração e ecoando as dúvidas de uma geração mais antiga.


TRADUÇÃO DE EDER CAPOBIANCO - ANTIMIDIA

             FONTE: 
             http://www.onerdescritor.com.br/2014/08/os-hippies-hunter-s-thompson/

Sobre HUNTER S. THOMPSON acesse:

RALPH STEADMAN nasceu na Inglaterra em 1936. Começou a carreira publicando caricaturas e cartoons político-sociais, mas, ao longo dos anos, levou sua criatividade para outras áreas. Ele ilustrou clássicos como “Alice no País das Maravilhas”, “Revolução dos Bichos”, “Treasure Island” e as obras do jornalista americano Hunter Thompson, "Fear and Loathing in Las Vegas" e "Fear and Loathing on the Campaign Trail '72".
Os mais famosos desenhos de Steadman surgiram na parceria com Hunter, pois pôde segui-lo na matéria sobre o Kentucky Derby (artigo feito para a revista Scanlan’s) e também foi com Thompson para a Maratona de Honolulu. Muito do estilo de Ralph foi desenvolvido ao fazer inúmeras caricaturas do jornalista, sempre com os cigarrinhos e os óculos de aviador.

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