terça-feira, 12 de maio de 2015

POESIA & ENTREVISTA – JIM DODGE




UM POEMA DE JIM DODGE

Seu sorriso é como assento de privada gelado.
Ele sacode minha mão como se a houvesse encontrado
morta depois de duas semanas num pântano.
Digo a ele que preciso de grana.
Às toneladas.

Eu quero um Lambourgini novo
lotado de absinto e ópio,
cair fora destas colinas encharcadas
uns anos em Paris.
Tento explicar:
estou em tal estágio de desenvolvimento artístico
que necessito de longo período
como marajá reflexivo.

O banqueiro saca minha carteira.
Examina meus dentes.
Reprime seus cacarejos
quando ofereço 20 sonetos miltonianos
como garantia do empréstimo.
Balança a cabeça (passei dos limites)
enquanto me despacha, apertando a mão.

‘Péraí’, apelo, ‘tenho dívidas e sonhos
não consigo sustar o derrame de meu saldo’.
‘Sinto’, resmunga, ‘não posso fazer nada’
e grampeia os papéis
de maneira semelhante à que
empalaria minha língua num formigueiro qualquer.
Olho pra ele, incrédulo.

E sob meu olhar fixo
o banqueiro começa a se transformar
numa porção de batatas fritas
empapadas de graxa;
depois num borrão
numa página do Gênesis;
e, afinal, em joaninha rola-bosta
empurrando bolinhas de merda
sobre a escrivaninha maior que meu quarto.
Enquanto acompanho essas mudanças mórbidas
não perco de vista sua cara balofa
brilhando qual carne podre.

Mas eis que suas outras facetas
vêm a mim:
pai, amante, garotão, garotinho -
nossos aparentados, apesar de distintos, corações
e mesma história humana
dando na mesma.
Apenas isto impediu
meu bom-senso de inconscientizá-lo

com uma meia cheia de moedas.

TRADUÇÃO: Joca Reiners Terron
                                  FONTE: http://betobombigblog.blogspot.com.br

JIM DODGE E UMA RÉPLICA DE FUP, A PATA











UMA ENTREVISTA COM JIM DODGE

POR VIVIAN RANGEL

Jim Dodge tem menos de 1,60m, dedos carcomidos pela terra, barba e cabelo brancos – uma aparência tão cascuda quanto o cinto de couro gasto que segura suas calças jeans. Californiano de 62 anos, ele seria facilmente confundido com um rancheiro, se não fosse autor de Fup, um livro cult no Brasil e exterior. Relançado na coleção Sabor Literário, da José Olympio, Fup é o nome da protagonista da história, uma pata imensa e gorda. A ave foi encontrada no meio da lama pelo jovem Miúdo e batizada por vovô Jake com um trocadilho sujo – Fup que soa como fucked up,, estado em que a pata foi encontrada, arrasada após um ataque do terrível porco Cerra-Dente.

Avô e neto dividem uma bucólica existência, longe de civilização, governo ou tecnologia. Vovó Jake conheceu a alquimia da vida eterna ao descobrir a fórmula do uísque Sussuro da Morte, bebida com 97% de teor etílico que ele destila e consome em garrafas de meio litro diárias, dose que lhe ajuda a sonhar. Miúdo bebe apenas um gole antes de dormir: para espantar os sonhos.

A pequena novela – entre a fábula e o absurdo – tem linguagem direta e simples, porém repleta de trocadilhos e duplos sentidos. Em entrevista ao Jornal do Brasil, Jim Dodge, um dos convidados da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) em 2007, adianta um pouco do vai falar em sua mesa de hoje: dos ideais anárquicos a seu processo criativo. Ecológico, hippie e sobretudo um homem simples – amante de caminhadas – Dodge quer instigar os leitores e define-se como uma ponte entre os ideais beatniks e o movimento hippie. Mas em sua ficção há pouco de déjà vu.

'Fup' é um grande sucesso entre escritores brasileiros. Marçal Aquino fez a introdução da edição brasileira do livro. Dodo Azevedo criou uma comunidade no Orkut para homenageá-lo... Você sabia deste sucesso todo no Brasil?

Não, não fazia idéia, nem conheço o Orkut. Sei que Fup já foi traduzido para mais de 20 línguas. Sempre pensei na escrita como um ato de criação imaginária coletiva, mas escrever é algo muito grande, não sei explicar como se tornou um sucesso.

Sua linguagem é repleta de trocadilhos e metáforas mas também é simples, direta. Isso surpreendeu muitos leitores ...

Minha única preocupação ao escrever é: como transformar isso em algo compreensível para meu leitor? Quero que meus livros sejam acessíveis sem contudo fechar portas para o meu leitor. Quero que ele reinvente os sentidos. Você não pode ser melhor que seu melhor leitor. Por isso procuro metáforas que possam ser apreendidas. Se eu digo: "O amor é uma águia", todo mundo já viu esse pássaro, belo e forte. Mas se digo: "O amor é um copper-tailed trogon (pássaro com a cauda cor de cobre, típico do Arizona)", as pessoas podem não saber do que falo. Então a metáfora não funciona.

Uma grande metáfora do livro é a obsessão de Miúdo em construir cercas como se fosse possível isolar-se do mundo...

As cercas de Miúdo são literalmente bloqueios contra o mundo. Ele é um menino traumatizado, viu a mãe morrer aos três anos, vive sozinho com o avô. Ele não sabe lidar com isso, então constrói cercas. Na verdade todo mundo constrói suas cercas. Mas, ao conhecer Fup, Miúdo percebe que embora construa cercas ainda há pontes que fazem sua ligação com o mundo. E essas pontes podem ser belíssimas.

Como nasceu Fup, a pata gorda, imensa, que não sabe voar?

Eu vivia no meio das montanhas ao norte da Califórnia, o vizinho mais próximo de mim estava há oito quilômetros de distância. Numa bela tarde de primavera, estava trabalhando na terra, cavei 125 buracos para fazer uma cerca num solo lamacento e rezava para não chover. Então vi uma grande tempestade se aproximar e previ que o trabalho tinha sido em vão. Eu estava realmente exausto. Era o trabalho de um dia inteiro que seria destruído pela chuva. Então, sem saber por quê, imaginei um pato nadando naquelas poças. Então pensei: isso é estranho, um patinho nadar na poça. Achei que ele poderia ser encontrado por um jovem orfão e um homem velho... E daí surgiu toda a história.

Fup foi seu primeiro romance ?

Foi o primeiro a ser publicado. O primeiro a ser escrito foi O Enigma da pedra (publicado no Brasil pela José Olympio, atualmente esgotado). Antes escrevia poemas, mas não sabia exatamente o que estava fazendo, estava atordoado e confuso (Dazed and confused, citando a música do Led Zeppelin). Quando perguntei a um amigo o que fazer nessa situação, ele me disse: sente-se e escreva. Então me sentei e escrevi. Foi assim também com Fup, levei seis semanas escrevendo-o. Um ano depois de tê-lo terminado, me dei conta de que cometi um grande erro: traí minha imaginação.

Como?

Fup era originalmente um menino.

Como um menino virou uma pata ?

Não sei. Acho que era um menino meio feminino, que no fim virou uma pata, sem que eu me desse conta (diz, gargalhando).

Fup pode virar filme ?

Escrevi um roteiro para uma produtora independente, que me pagou um bom dinheiro. Mas, em Hollywood, roteiristas são muito mais valorizados que escritores. Meus amigos avisaram: escreva, receba seu dinheiro e vá embora. O roteiro não foi bem aceito, queriam filmá-lo como um desenho animado. Não captaram o espírito de Fup. E eu detestaria ver os espectadores rindo dos tombos da pata ...( gargalha).. Com roteiro meu, Fup não vira filme. Mas os direitos foram vendidos, pode ser que alguém faça a adaptação.

Você já foi pastor de ovelha, jogador profissional, é ainda hoje professor. Quando escreveu Fup dividia-se com outra profissão?

Quando escrevo um romance, dedico-me inteiramente a ele. Vivi durante 15 anos (de 70 a 85) em uma comunidade alternativa, onde acordávamos pela manhã e trabalhávamos até à noite, na terra, cultivando plantas e animais com o objetivo de sermos auto-sustentáveis. Ajudava nas tarefas comuns e tinha muito tempo para escrever. Os empregos aparecem nos meus livros como referências, nas jogatinas, na figura do professor ou no retrato de uma vida mais simples e selvagem.

Foi uma experiência de certo modo anarquista ?

Sou um pouco anarquista. Acho que não precisamos de muito controle governamental nas nossas vidas, quanto mais governo envolvido, menor a possibilidade de descobrir sobre si mesmo. A liberdade de fracassar é muito importante para mim. É interessante, é selvagem aprender a viver como nossos avós, sem eletricidade ou televisões. É possível viver do desperdício, principalmente na América. Numa comunidade auto-sustentável seria possível sobreviver com 35 dólares por mês. Hoje vivo com minha família, mas ainda nas montanhas. Mas não recomendo esse estilo de vida para todos. Como um anarquista, detestaria estipular como as pessoas devem viver suas vidas. Esta é a parte mais divertida de estar vivo.

Por isso seus personagens estão fora da lei, como o vovó Jack do livro, que sonega impostos ?

Os personagens não estão violando as leis, mas vivendo à margem dela. Uma visão alternativa, marginal. Um dos meus livros preferidos é o Caminhando, de Henry David Thoreau, em que ele fala do simples ato de andar como um prazer imenso em ter o seu corpo se movendo no tempo e no espaço. Não é possível ver nada dirigindo um carro.

Essa visão alternativa foi influenciada pelo beatnik Jack Kerouac ou por Philip K. Dick?

Nunca li Dick. Está na minha lista de leituras futuras. Gosto muito de Ken Kesey (autor do livro que inspirou o filme Um Estranho no Ninho). Na verdade, leio muita poesia. Jack Gilbert, por exemplo. Se Safo e Archilocus tivessem descendentes, um deles seria Gilbert. E os beatniks Gary Snyder e Jack Spicer, e Dylan Thomas.

Mas você não conviveu diretamente com os beatniks, no centro do movimento, em São Francisco...

Nunca me envolvi diretamente, embora conhecesse alguns poetas como Gary Snyder, com quem tenho importantes afinidades intelectuais, como o papel da ciência e da ecologia. Acho que tenho um pouco de Thomas Pynchon, essa base natural forte e científica associada a uma imaginação insana. Estou no pequeno vácuo entre os beatniks e a geração hippie. Acho que sou a ponte.

Sua principal paixão é a poesia?

Comecei a escrever aos 20 anos, publiquei o primeiro romance aos 37 anos, ou seja, 17 anos dedicados apenas à poesia. Publicava anonimamente num coletivo de poetas, era meio revolucionário. Queria tirar a poesia do sistema mercadológico, distribuíamos os poemas na rua.


ONDE ENCOMENDAR O LIVRO 'FUP', DE JIM DODGE: http://www.saraiva.com.br/fup-col-sabor-literario-1574315.html

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