quarta-feira, 10 de junho de 2015

CULTURA – POESIA ILUMINADA


UM POEMA DE LAWRENCE FERLINGHETTI
Lawrence Ferlinghetti em frente a sua livraria City Ligths


UTILIDADES DA POESIA

Então, para que serve a poesia nesses nossos dias?
Qual seu uso? Qual sua utilidade?
Nestes dias e noites da Era do Capocalipse
em que a poesia é o asfalto
das estradas dos exércitos noturnos
como naquele paraíso de palmeiras no norte da Nicarágua
onde promessas são feitas nas plazas
e desfeitas nas quebradas
ou nos campos verdíssimos
da Estação de Armas Navais de Concord
onde trens blindados esmagam manifestantes verdes
onde a poesia se faz importante pela ausência
ausência de pássaros na paisagem de verão
ausência de amor nas coxas da meia-noite
ausência de luz ao meio-dia
na Casa (não-tão) Branca
Pois mesmo a poesia ruim é importante
por aquilo que não diz
por aquilo que abandona
Que dizer do sol escorrendo
pela pele da manhã
das noites brancas e das bocas sedentas
lábios ululando Lulu sem parar
e dos seres alados que cantam
e dos gritos distantes numa praia ao anoitecer
e da luz jamais vista na terra ou no mar
e das cavernas descobertas pelo homem
onde corriam rios sagrados
junto às cidades costeiras
onde caminhamos distraídos
intensamente comovidos
com o louco espetáculo da existência
todos esses animais tagarelas sobre rodas
heróis e heroínas com mil olhos
com corações corajosos e superalmas ocultas
nem aí para mitos
(Por uma vida sem mitos!
gritou Joseph Campbell
e se mandou de barco para o Havaí)
sempre impressionados por eu insistir
com esses aprumados bípedes de cara lisa
esses atores frementes
pálidos ídolos nas ruas noturnas
dançarinos extáticos no pó da Last Waltz
neste tempo de engarrafamentos da Era do Capocalipse
onde a voz do poeta soa distante
a voz da Quarta Pessoa do Singular
a voz dentro da voz da tartaruga
a face atrás da face da raça
letras de luz na página da noite
a ávida voz da vida como Whitman a escutou
um leve riso selvagem
(quiçá a libertemos
do editor de texto da mente!)
E eu sou o repórter diário
de outro planeta
redigindo a história decadente
do Que Quando Onde Como e Por quê
dessa espantosa vida aqui
e dos estranhos palhaços que governam
com os cotovelos no parapeito
das demoníacas aterrorizantes fábricas
lançando suas sombras entrevadas
na grande sombra da Terra
no fim do tempo não visto
no supremo haxixe do nosso sonho


TRADUÇÃO: Fabiano Calixto

LAWRENCE FERLINGHETTI, nasceu na cidade de Yonkers, Nova York, em 1919. Foi o precursor dos poetas beats americanos e seus poemas recebem influência de expoentes da poesia contemporânea do século XX, como e.e. cummings, T.S. Eliot, Ezra Pound e principalmente William Carlos Williams.
Ferlinghetti utiliza em sua construção poética elementos banais do cotidiano como telefones, assentos de privada, lâminas de barbear e pontas de cigarro construindo uma visão das ruas, a realidade entrelaçada a uma idéia surrealista no improviso andarilho, elemento tipicamente underground dos poetas dessa geração.
Fundou a City Ligths, livraria e editora, que lançou os primeiros livros dos principais poetas e escritores Beats.

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