sábado, 25 de julho de 2015

POESIA – CHARLES BUKOWSKI

6 POEMAS DO VELHO BUK




FAZ ALGUM TEMPO

era quase manhã
melros no fio do telefone
esperando
enquanto eu comia
um sanduíche de ontem
às 6 da matina
dum calmo domingo.
um sapato no canto
de pé
o outro ao
lado
sim, algumas vidas foram feitas para ser
perdidas.


A GERAÇÃO PERDIDA

tava lendo um livro sobre uma literata rica
dos anos vinte e seu marido
beberam, comeram e curtiram por toda a
Europa
encontrando-se com Pound, Picasso, A. Huxley, Lawrence, Joyce,
F. Scott, Hemingway e muitos
outros.
as celebridades eram como brinquedinhos para
eles
e pelo que li
as celebridades curtiram a ideia de ser
brinquedinhos.
durante todo o livro
esperei que ao menos uma das celebridades
dissesse para a literata rica e seu
rico literato marido
que caíssem fora
mas, pelo jeito, nenhum deles
o fez.
Em vez disso, deixaram-se fotografar com a senhora
e seu marido
em várias praias
com cara de inteligente
como se tudo isso fizesse parte
da Arte.
talvez o fato de a mulher e seu marido
serem donos de uma grande mídia
tivesse algo a ver
com isso.
e foram todos fotografados juntos
em festas
ou na calçada da livraria de Sylvia Beach.
é verdade que muitos deles eram
artistas ótimos e/ou originais
mas tudo parecia tão esnobe e
afetado,
e o marido finalmente cometeu
seu tão anunciado suicídio
e a senhora publicou um dos meus
primeiros contos
nos anos 40 e agora
está morta, mas
não consigo perdoar nenhum dos dois
por suas vidas ricas e imbecis
também não consigo perdoar seus brinquedinhos
por se sujeitarem
a isso.


DEFININDO A MÁGICA

um bom poema é como uma cerveja gelada
quando você está na fissura
um bom poema é como um delicioso
sanduíche quando você está
faminto
um bom poema é uma arma quando
a bandidagem te cerca
um bom poema é algo que
te permite andar pelas ruas da
morte
um bom poema faz a morte derreter como
manteiga
um bom poema emoldura a agonia e
a pendura na parede
um bom poema faz seus pés tocarem
a China
um bom poema faz a mente estilhaçada
voar
um bom poema torna possível cumprimentar
Mozart
um bom poema possibilita que você jogue dados
com o diabo
e vença
um bom poema pode quase tudo
e o mais importante
um bom poema sabe quando
parar


SIM

há coisas piores que
estar só
mas nos custam décadas
até que percebamos
e geralmente
quando conseguimos
é tarde demais
e não há nada pior
que
ser tarde demais


ESTAR SOZINHO

quando a gente pensa no tanto
que deu errado
de novo e novamente
a gente começa a olhar pras paredes
e fica por lá
porque as ruas são aquele
mesmo velho filme
e todos os heróis acabam como
heróis de velhos filmes:
bunda gorda, cara gorda e o cérebro
de uma lagartixa.
não é de se admirar que
um homem sábio escalará
uma montanha de 3 mil metros
e sentará lá esperando
vivendo de frutinhas selvagens
em vez de confiar no bagaço dos joelhos
que certamente não durarão a vida toda
e em duas de cada três vezes
não sobreviverá uma noite sequer.
montanhas são difíceis de escalar.
as paredes são suas amigas.
aprenda com elas.
o que eles nos dão lá fora
nas ruas
é algo que mesmo as crianças
se encheram.
fique com suas paredes.
elas são o amor mais verdadeiro.
construa onde ninguém constrói.
é o último caminho que resta.


COMETI UM ERRO

me estiquei todo até a prateleira mais alta do armário
e puxei de lá um par de calcinhas azuis, minúsculas
e mostrei a ela
e perguntei: são suas?
ela olhou e disse:
não, devem ser da vadia
depois disso, ela se foi e não a vi
nunca mais. não está em sua casa.
continuo passando por lá, colocando bilhetes
por debaixo da porta. volto e os bilhetes
continuam lá. tiro a Nossa Senhora Aparecida
do retrovisor do meu carro e a amarro
em sua maçaneta com um cadarço, deixo
um livro de poemas.
na noite seguinte, quando retorno, tudo
continua no mesmo lugar.
continuo rondando as ruas à caça
daquele encouraçado roxo que ela dirige
sempre com a bateria fraca e as portas
penduradas, estropiadas.
dirijo pelas ruas
a um passo de chorar,
envergonhado com meu sentimentalismo e
possível amor.
um homem velho e confuso dirigindo na chuva
se perguntando onde é que a sorte
foi parar.

(Traduções de FABIANO CALIXTO)




Poeta, contista e romancista HENRY CHARLES BUKOWSKI JR. é considerado o último escritor maldito da literatura norte-americana. Nasceu na Alemanha, mas se mudou para os Estados Unidos aos 3 anos. Bukowski começou a escrever poesias aos 15 anos mas seu primeiro livro foi publicado somente 20 anos depois, em 1955. Dotado de um humor ferino e comparado a Henry Miller e Ernest Hemingway, sua obra é marcadamente autobiográfica. O estilo obsceno e coloquial e uma aparente forma descuidada com a escrita com temas recorrentes como: prostitutas, alcoolismo, corridas de cavalos, experiências escatológicas, sempre dividiu a crítica. Para alguns apenas um resquício da geração beat de Jack Kerouac e Allen Ginsberg, para outros — como o filósofo francês Jean-Paul Sartre —, o maior poeta da América.


FABIANO CALIXTO nasceu em Garanhuns, PE, em 8 de junho de 1973. Vive em São Paulo. É doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada na USP. Publicou os seguintes livros de poesia: Algum (edição do autor, 1998); Fábrica (Alpharrabio Edições, 2000); Um mundo só para cada par (Alpharrabio Edições, 2001) – com Kleber Mantovani e Tarso de Melo; Música possível (CosacNaify/ 7Letras, 2006); Sangüínea (Editora 34, 2007); A canção do vendedor de pipocas (7Letras, 2013); Para ninar o nosso naufrágio (Corsário-Satã, 2013); Equatorial (Edições Tinta-da-China, 2014) e Nominata morfina (Corsário-Satã/Córrego/Pitomba, 2014).

              http://www.revistabula.com/




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