domingo, 16 de novembro de 2014

LITERATURA – CONTO – LALO ARIAS

MÃE, TÔ VIAJANDO LEGAL!

A ideia já vinha de uns bons anos, acho que da infância mesmo, agora só faltava a tal da prática. Mas na quarta-feira o bicho pegou. O casal padrasto/madrasta foi viajar e eu me senti abarrotado de urgência. O planejamento final foi brotando que nem florzinha no canteiro do quintal. Fiquei trabalhando, pesquisando – o blog tá crescendo, pensei, dia desses a grana entra. Então que estava meio distraído na quarta-feira, mas continuei com a proposta. Deixar a casa em ordem, lavar roupa, separar leituras, tomar banho, cortar unhas, encher a despensa e a geladeira, desintoxicar o corpo e a mente, nada de álcool, cigarrinhos poucos, por aí. Na quinta-feira a Rose chegou cedo, passou roupa e começou a limpeza da casa, lá no silêncio dela. Fiz café e ficamos batendo papo na cozinha, os dois em pé. Depois separei as leituras, pesquisa pura, outras eram só releituras, saudades mesmo. Vasko Popa, Biéli, James Hillman, Márcio Borges, Poesia Completa do Manoel de Barros (o primeiro treco que li na web foi a notícia da morte do poeta), Sponville, fora as revistas e jornais. Tanto por fazer em tão pouco tempo. Têm horas que eu me meto num labirinto aqui de dentro. Faço tudo ao mesmo tempo. Penso em fumar, mas vou ler jornal. Preciso preparar o almoço, mas vou catar pitangas no quintal. Coisa de louco. Liberei meu quarto pra Rose dar um trato e fui pra edícula passar roupa. Tô tentando contar tudo de maneira cronológica, tá difícil, não sou lógico, já que é assim vou voltar até domingo passado.
Domingo inteiro de molho, dentro do quarto, sem nada de sólido nem de semi-sólido no bucho. Entardecendo, a Adriana tocou a campainha e me chamou prumas brejas. Fui tirar o pijama enquanto ela esperava na calçada, fumando. No corredor, indo pro meu quarto, pensei: é fria. Mas fui. Descemos até o parque e pegamos uma mesa no quiosque de crepes. Breja, papo, breja, papo, começou a bater um vento frio. Falei: vamos pro carro? Ela concordou. Ficamos ouvindo música, bebendo e conversando. Lá pelas 9 da noite ela já tava enrolando a língua. Pedi pra ela me levar embora. Aí o caldo engrossou, como sempre. Ela nunca quer ir embora. Eu vinha de um porre internacional desde quinta-feira; e justo no dia que tentava me refazer, acontecia isso. Ela me levou, falou uns troços que não entendi até agora, neste momento fúnebre. Me largou na porta de casa. Fui portão adentro me sentindo um percevejo. Normal. As nossas noites sempre acabavam assim. Acabou – pensei. Boa sorte.
Segunda-feira escorreu pela privada. Terça também. Duas noites de insônia e caganeira. Fora a intoxicação por Espiral Baygon. Esquentou, os bichos comem. E tome CremeFenergan 20mg nas picadas. Quarta-feira acordei tonto. Abri a porta do quarto e liguei o computador. Corre-corre no corredor da mansão. Malas, sacos de viagem, cooler cheio e então padrasto para na minha porta e diz “vou pra Atibaia, este é o dinheiro da diária da Rose”. Boa viagem, sem bênção, que não me ajoelho nem pra Buda. Adeus casal magnífico, adeus inferno doméstico, chegou o tempo de bonança e outras babaquices. Boa viagem – foi o que desejei, em silêncio. E tome cuidado na estrada, que eu não vou passar suas multas pra minha CNH nunca mais, completei mudo.
De volta à quinta-feira, 13 de novembro do ano sagrado de 2014. A Rose é rápida no gatilho. Deixou a casa um verdadeiro palácio de mármore. Tudo limpinho. 4 da tarde e o maridão da Rose já estava na porta, à espera. Fiquei, como sempre quis, só. Fiz a listinha da quitanda. Dobrei a esquina. Adentrei. Dona Terezinha a postos, ladeada pelos filhos. Pedi crédito. Crédito concedido. Coisa pouca, só pra completar o cardápio dos próximos cafés da manhã (13 horas), almoços (18:45h), lanchinhos (22:14h) e ceias (2 da manhã). Voltei carregadinho. Então que me veio a lembrança de começar a caminhar através da trilha sem volta. Segui. Sexta-feira e sábados exemplares. Experimentos culinários, sobriedade ímpar, desintoxicação, cafés inúmeros, leituras, pesquisas sobre Ecologia, História, Música, Economia, Literatura eslava, Negócios e etc. Filmes até de manhãzinha. Vi os nunca vistos e revi uns, pela quarta, quinta vez. Insônia passou. Incontinência intestinal também. Até aguei as plantinhas, faxinei cozinha, cortei as unhas e acertei jeitosamente minhas costeletas.
Domingo à tarde meu carinho Taís veio me visitar, com a barrigona linda e dura. Tem mais uma bailarina vindo por aí. Fizemos jantar e papeamos. Ela se mandou. Descansei.
Hoje acordei cedo. Deixei a casa arrumadinha, um brinco. Almocei num horário pra lá de convencional (15:45h) e comecei a batucar estas linhas. Tudo escritinho? Tudo explicadinho? Falta pouco. Estou deitado na minha confortável cama, coberto por um lençol magnífico de fios egípcios, branquinho, branquinho. Últimas palavras no laptop depois de rasgar com a faquinha a artéria que vai do punho até a dobra do braço: mãe, tá ficando frio, o melado vermelho tá empapando o colchão de molas. Mãe, o frio tá passando. Mãe, acho que estou te vendo aí do outro lado. Não tem nada cinzento aqui. Mãe, tô viajando legal.

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