sexta-feira, 21 de novembro de 2014

LITERATURA – POESIA – MARIO TREJO

                                    

MARIO TREJO (1926 – 2012) 
nasceu na argentina, mas há dúvidas 
sobre sua cidade natal. 
Jornalista, dramaturgo, cineasta, roteirista 
e escritor, viveu no Chile, E.U.A. e Espanha. 
Seus principais livros são  
Crítica de la razón poética,  
El amor cuerpo a cuerpo e Lingua Franca, 
reunidos num só volume: El Uso de la Palabra.
  

O INSONE INSUBMISSO
OU SOBRE OS ALCANCES DE FALAR
DE CERTOS TEMAS


Estivemos falando por toda a noite de como vai o mundo

Foi uma boa comida
abundante e sem luxos
entre velhos amigos

Alguém se lembrou de Saint-Just:
os que fazem revoluções
os que querem fazer o bem
não devem dormir mais do que na sepultura

Olhamos para o fundo dos copos
saboreamos o vinho
e falamos também
de sequestros de aviões
e pessoas desaparecidas
e cadáveres abandonados
e riachos soturnos

Discutimos a diferença
entre o sequestro de um torneiro
e o rapto de um embaixador
seu preço em moeda diplomática
Alguém esclareceu a distância
entre guerrilha e terrorismo
questão de objetivos
de vítimas e medos
de razões e prantos.

Uma e outra vez tocamos no tema
dos interesses nacionais
é dizer
do interesse nacional
que enterra os gestos heroicos
e os riscos da guerra
a ausente permissão dos chineses
no Vietnam, Bangladesh e Indonésia
dos americanos em Praga
dos russos em Santo Domingo
e das tropas de etecétera no país de etecétera

Mas voltávamos sempre ao ponto de partida
à tortura e suas técnicas
ofício que desconhecem o vírus e o tigre
o escorpião e a cobra
viciosa busca da verdade
mundial e sem segredos

Como de costume
estivemos de acordo em que pouco ou nada se resolve
com canções ou encenações
com rituais de câmara e luzes
e palavras eleitas com paixão e paciência
Para que repetir que um poema não devolve a vida
O filme terminou e o cinema continua
Eu não sou o feiticeiro de uma profética tribo

Ao final resolvemos que
de todos os modos
é pior o silêncio
e que falar é algo mais do que uma droga

Porque a verdade é verdade
somente quando é pronunciada
bombeada às vezes
por puro e rude coração

Porque não há tempo a perder

Mas soubemos também que vale a pena salvar um minuto
para recordar que a verdade também deve ser pensada
O branco da verdade é a eficácia
Cabeça fria e coração quente

Cálida sobremesa
discretamente alcoólica
entre velhos amigos

A verdade
nos dissemos
não é feia nem bonita
Mas novamente deveríamos salvar outro minuto
para o poeta que existe em todo homem
para que possa sem temor
perder a ilusão de que quando termina a beleza
acaba a verdade
para que possa existir a ilusão
de que onde acaba a verdade termina a beleza
como nestes discos de Bach ou dos Beatles
que giram hoje a 33 revoluções por minuto

Nos calamos por um momento
cúmplices em saber que a besta humana
só sorrirá quando verdade e beleza sejam uma só

Insones
falamos por toda a noite
Insubmissos frente ao poder da palavra
Convencidos de que as ideias
somente se redimem na prática.

     (Santiago de Chile, 1972)


(Tradução de Lalo Arias, a partir do livro El Uso de la Palabra, 
Editorial Lumen, Espanha, 1979)

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