sexta-feira, 13 de março de 2015

FILOSOFIA - PROUDHON

PIERRE-JOSEPH PROUDHON


A PROPRIEDADE É UM ROUBO
 Se eu tivesse de responder à seguinte questão: o que é a escravidão?, e a respondesse numa única palavra: é um assassinato, meu pensamento seria logo compreendido. Eu não teria necessidade de um longo discurso para mostrar que o poder de tirar ao homem o pensamento, a vontade, a personalidade é um poder de vida e de morte, e que fazer um homem escravo é assassiná-lo. Por que então a esta outra pergunta: o que é a propriedade?, não posso eu responder da mesma maneira: é um roubo, sem ter a certeza de não ser entendido, embora esta segunda proposição não seja senão a primeira transformada?
Eu tento discutir a própria origem de nosso governo e de nossas instituições, a propriedade; estou no meu direito: posso me enganar na conclusão que resultará de minhas pesquisas; agrada-me colocar o último pensamento de meu livro no início; estou sempre no meu direito.
Tal autor explica que a propriedade é um direito civil, nascido da ocupação e sancionado pela lei; tal outro sustenta que ela é um direito nacional, tendo sua fonte no trabalho, e estas doutrinas, por mais opostas que pareçam, são estimuladas, aplaudidas. Eu afirmo que nem o trabalho, nem a ocupação e nem a lei podem criar a propriedade; que ela é um efeito sem causa: sou repreensível?
Quantas queixas se levantam!
– A propriedade é um roubo! Eis o rebate de 93! Eis a desordem das evoluções!
– Leitores tranquilizem-vos: não sou de modo algum um agente de discórdia, um bota-fogo de sedição. Antecipo-me alguns dias na História; exponho uma verdade cuja passagem nós tentamos em vão barrar; escrevo o preâmbulo de nossa futura constituição. Esta definição que vos parece blasfematória, a propriedade é um roubo, seria o punhal exorcizador do ódio se nossas preocupações nos permitissem entendê-la; mas quantos interesses, quantos preconceitos se lhe opõem! A filosofia não mudará de maneira alguma, o curso dos acontecimentos: os destinos se efetuarão independentemente da profecia; aliás, não é necessário que a justiça se faça e que nossa educação se complete?
– A propriedade é um roubo! Que inversão das ideias humanas! Proprietário e ladrão foram em todos os tempos expressões contraditórias tanto como os seres que elas designam são antipáticos; todas as línguas consagraram esta antilogia. Sobre que autoridade poderias então atacar o consenso universal e dar o desmentido ao gênero humano? Quem és para negar a razão dos povos e dos tempos?
– Que vos importa, leitor, minha medíocre individualidade? Eu sou, como vós, de um século em que a razão só se submete ao fato e à prova; minha reputação, assim como a vossa, é de investigador da verdade; minha missão está escrita nessas palavras da lei: Fale sem ódio e sem medo; diga o que tu sabes. A obra de nossa espécie é construir o templo da ciência, e esta ciência abrange o homem e a natureza. Ora, a verdade se revela a todos, hoje a Newton e a Pascal, ao pastor no vale, ao operário na oficina. Cada um coloca sua pedra no edifício e, sua tarefa feita, desaparece. A eternidade nos precede, a eternidade nos segue: entre dois infinitos, que é o lugar de um mortal para que o século nele se informe? Deixai, portanto, leitor, meu valor e meu caráter, e ocupai-vos só com minhas razões. É conforme o consenso universal que eu pretendo corrigir o erro universal; é à fé do gênero humano que chamo de opinião do gênero humano. Tende a coragem de me seguir e, se vossa vontade é sincera, se vossa consciência é livre, se vosso espírito sabe unir duas proposições para daí extrair uma terceira, minhas ideias tornar-se-ão infalivelmente as vossas. Começando por vos lançar minha última palavra, quis eu vos prevenir e não vos desafiar: porque, tenho certeza, se me leres, eu forçarei vossa concordância. As coisas de que tenho a vos falar são tão simples, tão palpáveis, que vos espantareis de não as ter percebido, e vós vos direis: “Eu não tinha refletido nada disso”. Outros vos oferecerão o espetáculo do gênio violentando os segredos da natureza e divulgando oráculos sublimes; vós não encontrareis aqui senão uma série de experiências sobre o justo e sobre o direito, uma espécie de verificação de pesos e medidas de vossa consciência. As operações se farão sob vossos olhos; e vós mesmos apreciareis o resultado. Além disso, não disponho de sistema: eu desejo o fim do privilégio, a abolição da escravatura, a igualdade de direitos, o reino da lei. Justiça, nada senão Justiça; tal é o resumo de meu discurso; deixo a outros o encargo de disciplinar o mundo.
Eu me disse um dia: por que, na sociedade, há tanta dor e miséria? O homem deve ser eternamente infeliz? E, sem me limitar às explicações gerais dos empreendedores de reformas ao denunciar a miséria geral, estes a covardia e a imperícia do poder, aqueles os conspiradores e os motins, outros a ignorância e a corrupção geral; fatigado com os intermináveis combates da tribuna e da imprensa, quis eu próprio aprofundar a coisa. Consultei os mestres da ciência, li centenas de volumes de filosofia, de direito, de economia política e de história: e queira Deus que eu tivesse vivido num século em que tanta leitura me fosse inútil! Fiz todos os esforços para obter informações exatas, comparando as doutrinas, opondo às objeções as respostas, fazendo sem cessar equações e reduções de argumentos, pesando os milhares de silogismos à luz da lógica mais escrupulosa. Neste penoso caminho, reuni vários fatos interessantes, de que darei conhecimento a meus amigos e ao público assim que tiver tempo. Mas, é preciso que eu o diga, primeiramente julguei reconhecer que nós jamais compreendemos o sentido destas palavras tão vulgares e tão sagradas: justiça, igualdade, liberdade; que sobre cada uma destas coisas nossas ideias eram profundamente obscuras; e que enfim esta ignorância era a única causa do pauperismo que nos devora e de todas as calamidades que afligiram a espécie humana.
Meu espírito se assombrou com este estranho resultado: eu duvidava de minha razão. Como, dizia eu, isto que o olho nunca viu, nem a orelha ouviu, nem a inteligência penetrou, tu a descobririas! Tenha medo, infeliz, de tomar as visões de teu cérebro doente por conhecimento da ciência! (...) Resolvi então fazer uma contraprova de meus julgamentos, e eis quais foram as condições que me impus a mim mesmo neste novo trabalho: é possível que na aplicação de princípios da moral a humanidade esteja há tanto tempo e tão universalmente enganada? Como e por que ela estaria enganada? Como seu erro, sendo universal, não seria invencível? Estas questões, de cuja solução eu fazia depender a certeza de minhas observações, não resistiram muito tempo à análise.
(...) Sim, todos os homens acreditam e repetem que a igualdade de condições é idêntica à igualdade de direitos; que propriedade e roubo são termos sinônimos; que toda proeminência social, concedida ou, para melhor dizer, usurpada sob pretexto de superioridade de talento e de serviço, é iniquidade e pilhagem: todos os homens, eu digo, atestam estas verdades em sua alma; trata-se só de fazê-los descobrir.

PIERRE-JOSEPH PROUDHON - Filósofo francês (15/1/1809-19/1/1865), um dos principais teóricos do anarquismo. Nasce em Besançon, em família pobre. Sem condições financeiras para frequentar a escola, estuda sozinho. Aos 18 anos, começa a trabalhar como tipógrafo.
Em 1840 publica o livro O Que É a Propriedade?, no qual observa que ela só causa danos à estrutura social: "A propriedade é um roubo", afirma. Em 1846 lança Filosofia da Miséria. Defende a organização da sociedade sem o controle de nenhuma autoridade imposta, baseada no auxílio mútuo entre as pessoas na esfera da produção e do consumo, com a criação de pequenas associações.
Mudanças sociais, portanto, seriam feitas com base na fraternidade e na cooperação. Sua crítica social conquista grande número de trabalhadores, e em 1848 Proudhon é eleito para a Assembleia Nacional. Participa pouco das atividades parlamentares, mas suas ideias contribuem para a transformação do anarquismo em movimento de massa. Seus livros mais importantes são Sobre o Princípio Federativo (1863) e Sobre a Capacidade Política das Classes Trabalhadoras (1865). Morre em Paris.

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