sábado, 4 de abril de 2015

FOTOGRAFIA – MEMÓRIA – DAVID DREW ZINGG


UM CARA PRA SE TIRAR O CHAPÉU



CENAS DO CADERNO DE ANOTAÇÕES
DE UM FOTÓGRAFO:
COMO A BOSSA NOVA 
FOI PARAR NO CARNEGIE HALL
E TIO DAVE NO BRASIL

TEXTO E FOTOS BY DAVID DREW ZINGG
 
LEILA DINIZ
CENA 1: Boate Bon Gourmet, Rio de Janeiro, 1962
Era primavera na cidade sensual à beira-mar.
Era a noite de estreia daquela que provavelmente seria a mais famosa apresentação de um novo estilo musical chamado Bossa Nova.
Era uma boate minúscula, a Bon Gourmet, e um show cujo elenco de músicos era minúsculo também. Apesar de seu número diminuto, o elenco tinha peso musical. Dê uma olhada em seus nomes e você saberá o por quê.
Primeiro - afinal, o show era dele - havia um cantor baiano chamado João Gilberto, um diplomata do Itamaraty chamado Vinícius de Moraes, um grupo de malabaristas vocais chamado Os Cariocas e um percussionista de mão leve, muito leve, conhecido pelo nome incomum de Milton Banana. 
TOM DE COSTAS, JOÃO DE FRENTE
Finalmente, havia um jovem e esbelto pianista conhecido como Tom Jobim.
Foi uma noite memorável para o Brasil e para um fotógrafo chamado David Zingg. A Bossa Nova estava a caminho de realizar algo que nem Adolf Hitler ou Joe Stalin tinham conseguido: conquistar o mundo.
A primeira vez que ouvi a versão enxuta e despojada do clássico samba carioca, fiquei extasiado, simplesmente.
Enfeitiçado.
Hipnotizado.
Nocauteado.
Profundamente transformado.
Reprogramado emocionalmente de maneira terminal.
Permita-me que explique o que estava fazendo aquela noite no Bon Gourmet, tão longe - pelo primitivo 707 - da minha base de origem, Nova York. 
TIO DAVE FOTOGRAFANDO MODA
Em 1962 eu era jornalista freelancer que virara fotógrafo depois de trabalhar como editor e redator na redação da revista Look, uma espécie de combinação de O Cruzeiro e Manchete, mas publicada em papel melhor.
A Look e sua arquiconcorrente Life eram os olhos da Gringolândia. Até o final dos anos 60, elas possuíam a audiência e o poder maciço que, mais tarde, seriam transferidos para a TV.
Eu, sortudo, tinha conseguido um emprego interessante e bem pago como assessor editorial de uma revista nova, rica e influente, chamada Show.
(Mesmo que falte um sanduíche para completar seu piquenique, Joãozinho, você deve ser capaz de adivinhar que a Show era dedicada às artes.)
Foi esse emprego que me levou à Bon Gourmet naquela noite que iria moldar tantos destinos. Voltei à boate noite após noite, me deliciando com aquela nova música - também me deliciei com quantidades desmedidas de uísque escocês, ao lado de Tom e Vinícius.
VELHO VINA SEGURANDO A PROA
CENA 2: Nova York, meses mais tarde, em torno de águas fortes.
Tio Dave e seu amigo, o editor Bob Wool, acabam de fechar sua edição especial da revista Show sobre a situação das artes na América do Sul.
Eles estão comemorando o feito no P.J. Clark's, um bar frequentado por jornalistas. Estão felizes. Já estão no quarto martíni duplo e estão seriamente bêbados.
Wool (enrolando a língua): "O único probleminha agora é como vamos promover nossa edição especial".
Zingg se sente profundamente inspirado pelo LP "Canção do Amor Demais", que trouxe do Brasil. Ele o ouve 24 horas por dia, para preocupação de alguns de seus amigos, que acham que ele deixou seu bom senso para trás num bar brasileiro, sob os cuidados de um músico chamado Tom Jobim.
Zingg também está ébrio e feliz, mas está inspirado pela música de Jobim e pelo gim, em partes iguais: "Simples", declara, demonstrando sua criatividade inata. "É só alugar o Carnegie Hall e uma frota de aviões e chamar a tropa toda dos músicos de bossa nova para Manhattan, para montarem um show por aqui." 
TIO DAVE FOTOGRAFANDO ÍNDIO
Dito e feito.
Uma vez recuperados da ressaca brutal, nossos jovens e corajosos repórteres conseguem o apoio de Dora Vasconcellos (poetisa e consulesa brasileira em Nova York) e de Mário Dias Costa, então diretor de assuntos culturais do Itamaraty, no Rio.
Dora vendeu a ideia a uma gravadora trapaceira que pagou o aluguel da sala de concertos.
Mário usou algum tipo de chantagem e conseguiu arrancar da Varig um número enorme de passagens aéreas gratuitas para os músicos.
A maioria deles acabou dormindo no chão, em apartamentos nova-iorquinos pertencentes a fãs brasileiros de espírito hospitaleiro.
O show virou negócio fechado.

CENA 3: São Paulo, 20 anos depois
A música de Tom Jobim foi a alavanca que me impeliu para uma nova vida, na condição de residente permanente no Brasil. A vida é uma espécie de faixa de Möbius. Eu tinha ajudado a dar Jobim e a Bossa Nova ao mundo.
Agora, em 1985, Tom estava entrevistando Zingg para a edição de dezembro da revista transada de Walter Carelli, a Status:
"Depois, o David veio para o Brasil. E diz que foi por minha causa, mas na verdade ele vivia na praia, no Arpoador, jogando peteca e frescobol com meninas bonitas e nunca voltou.
"Depois, quando o Rio começou a ficar chato - e de fato ficou, virou esse balneário bagunçado - ele se mudou para São Paulo, a nossa Nova York.
"Jaime Ovale costumava dizer que São Paulo é os Estados Unidos do Brasil. 'E Nova York, o que é Nova York, Jaime?', nos perguntavam. 'Nova York é a São Paulo do mundo'."
"Bem, é a cidade de David Drew Zingg."
PIXINGA, CAYMMI, VINA, BADEN E TOM NA CAPA
FIM DA AULA
Muito bem, classe: a aula de hoje do professor Dave já acabou. Se vocês se comportarem muuuuito bem, um dia destes eu conto outros segredinhos de réporter, coisas tipo:
1) Por que o presidente Jack Kennedy ligou para seu assessor de imprensa, Pierre Salinger, e berrou: "O que esse filho da puta do Zingg está querendo fazer? Foder comigo?"
2) Por que Oscar Niemeyer odiava os retratos feitos pelo fotógrafo a tal ponto que reclamou: "você me faz ficar com cara de macaco".
3) Por que Zingg quase caiu de costas num restaurante de Nova York quando sua namoradinha de verão de '42, Oona, apresentou um sujeito que aparentava ser seu avô. Oona, que tinha apenas 18 aninhos, sorriu meio sem jeito e disse: "David, quero lhe apresentar meu futuro marido, Charles Chaplin."




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