quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

CONTO – LALO ARIAS



NARCISA MORRERÁ AMANHÃ

O nome da biscate vem bem a calhar, como diria o Djalma, proprietário da DJ Calhas, camarada que carrega uma pança daquelas de envergar carro-guincho. O Djalma é um bom sujeito quando não bebe muito, quando bebe muito, baba. Mas ele entrou na história de gaiato. O nome, a pessoa, a cidadã declaradamente esfaimada que nos interessa é a Narcisa, conhecida também como Cisa. Ela foi de tudo um pouco, quero dizer, fez de tudo um pouco, mesmo porque ser ela nunca foi, ou sequer tentou. Então ela faz, do jeito dela, mas faz.
Hoje, ela deve estar beirando os 71, 72 aninhos mal vividos, amanhã ou depois de amanhã não se sabe quantos anos terá, posto que a idade da moçoila diminui sistematicamente. Cisa tem uma compleição robusta e uma fala compulsiva. Diz o tempo todo aquilo tudo que não interessa absolutamente a ninguém, no caso nós, meros circundantes. Se bem que quase ninguém circunda aquela vaca, de tão xarope que ela é. A mina tem o poder e a obsessão de carregar nas axilas os próprios paninhos de enxugar a louça, veste suas luvinhas de borracha amarelo Ferrari pra lavar louça, enxaguar louças, lavar calcinhas, dependurar calcinhas no varal, calcinhas estas, direi de passagem, que ela estende escamoteadas por toalhinhas brancas. A mina é muito pudica. Se ela usa luvinhas até pra descascar laranjas, imaginem vocês o que ela usa pra lavar as partes, como direi?, pudentas. De tão limpinha a Cisa chega a ser nojenta.

NARCISA
numa pose que não demonstra
sua verdadeira idade,
minutos antes de entornar
seu derradeiro copo
de suco de manga.
Pois que faz um tempinho já, coisa de um ano, ano e meio, que a dita adentrou no recinto, devidamente amparada e manteúda pelo meu senhorio, o Marcílio. Morar num casario de cômodos dá nisto: a gente nunca pode escolher quem vai cagar um minuto antes da gente no banheiro coletivo que fica justamente colado ao meu quarto. Uma verdadeira merda. Ela chegou já se sentido a dona do tabuleiro de cocada queimada. Aquele tipo de ser humano que diz  dezoito vezes por dia: “Ninguém merece”. E tudo tem que ser daquele jeito meio incompreensível e nada prático que é o jeito dela de lidar com a vida. Tenho visto Marcílio se transformar num cachorrinho de madame, daqueles dóceis, daqueles quietos, tristonho. O Marcílio virou um refém da insanidade da Cisa. Faz tudo o que ela manda, senão  a coisa pega. Em cima de mim ela fica me atormentando por causa de uma manchinha no fogão, um pingo de testosterona, ou sei lá que porra, que pingou no chão da cozinha, sempre a porra da cozinha. Se bem que eu to cagando pro jeito que ela se impõe à minha vida.
A última dela (vou só contar só a última, pra não ficar aqui chovendo na quebrada da soleira, que chovia) foi me maldizer. Já estou ficando esgotado com essa história de maledicências. Todo dia, toda hora, todos os momentos, todas as manhãs tem essa porra de maledicência batendo à minha porta, como se fosse o cara da farmácia me cobrando uns trocados que devo pra ele por conta dos entorpecentes que ele me passa por baixo do pano. Vai se foder, dona Maledicência. Vai se foder, Arsênico: aqueles arrebites não fazem nem coceguinhas no meu cerebelo.
Mal sabe a vigarista da Cisa que eu possuo ouvido absoluto, além de ser um psicopata completo. Mal sabe ela. Não me deixa nada constrangido relatar meus crimes e minha doença, mas a história aqui não é a minha, então dá licença de voltar aos trilhos da maledicência. Esse treco de ouvir muito bem eu herdei da minha família do lado esquerdo, ou seja, do lado da minha mãe. Tudo ouvido de tuberculoso. Posso estar enfiado no quarto e ouvir o Marcílio e a Cisa conversando dentro do carro, dentro da garagem, com o motor do carro relinchando a uns 18 metros distantes de mim. Ouço tudo. E numa dessas ouvi: “o Everaldo (euzinho aqui) é um vagabundo. Fica enfiado no quarto, acho que nem toma banho. Mexendo naquele computador o tempo inteirinho. Aposto que ele é transviado. Fica vendo putaria na enternéti (como ela pronuncia) e se masturbando, aposto”.
Amanhã é meu dia de fazer o suco de frutas do café da manhã. Me deu vontade de fazer de manga. Também vou caprichar nas lâminas de barbear bem picadinhas. O Marcílio nem toma suco. A Cisa entorna tudo, esfaimada daquele jeito dela. Vai estrebuchar um bom tempo, duas horas, por aí, é o que calculo. Depois vai verter sangue por tudo quanto é buraquinho daquele corpitcho de paquiderme dela. Foda-se, na hora do passamento eu já vou estar me dirigindo pro aeroporto de Cegonhas, com uma passagem já comprada anteriormente balançando na mão esquerda e que me levará diretamente pra Guayaquil.
Mandei bem. Logo logo vai ao ar o meu 18°assassinato por conta da tal da Dona Maledicência. Tô bem no ranking.

Um esclarecimento necessário: esta é uma peça de ficção, sendo seus personagens e acontecimentos totalmente inventados pela minha cachola. Qualquer coincidência com fatos ou pessoas reais será mera provocação.

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