NARCISA
MORRERÁ AMANHÃ
O
nome da biscate vem bem a calhar, como diria o Djalma, proprietário da DJ
Calhas, camarada que carrega uma pança daquelas de envergar carro-guincho. O
Djalma é um bom sujeito quando não bebe muito, quando bebe muito, baba. Mas ele
entrou na história de gaiato. O nome, a pessoa, a cidadã declaradamente esfaimada
que nos interessa é a Narcisa, conhecida também como Cisa. Ela foi de tudo um
pouco, quero dizer, fez de tudo um
pouco, mesmo porque ser ela nunca foi, ou sequer tentou. Então ela faz, do jeito dela, mas faz.
Hoje,
ela deve estar beirando os 71, 72 aninhos mal vividos, amanhã ou depois de
amanhã não se sabe quantos anos terá, posto que a idade da moçoila diminui sistematicamente.
Cisa tem uma compleição robusta e uma fala compulsiva. Diz o tempo todo aquilo
tudo que não interessa absolutamente a ninguém, no caso nós, meros circundantes.
Se bem que quase ninguém circunda aquela vaca, de tão xarope que ela é. A mina
tem o poder e a obsessão de carregar nas axilas os próprios paninhos de enxugar
a louça, veste suas luvinhas de borracha amarelo Ferrari pra lavar louça,
enxaguar louças, lavar calcinhas, dependurar calcinhas no varal, calcinhas
estas, direi de passagem, que ela estende escamoteadas por toalhinhas brancas.
A mina é muito pudica. Se ela usa luvinhas até pra descascar laranjas, imaginem
vocês o que ela usa pra lavar as partes, como direi?, pudentas. De tão limpinha
a Cisa chega a ser nojenta.
NARCISA
numa pose que
não demonstra
sua verdadeira
idade,
minutos antes
de entornar
seu derradeiro
copo
de suco de manga. |
A
última dela (vou só contar só a última, pra não ficar aqui chovendo na quebrada
da soleira, que chovia) foi me maldizer. Já estou ficando esgotado com essa
história de maledicências. Todo dia, toda hora, todos os momentos, todas as
manhãs tem essa porra de maledicência batendo à minha porta, como se fosse o cara
da farmácia me cobrando uns trocados que devo pra ele por conta dos
entorpecentes que ele me passa por baixo do pano. Vai se foder, dona
Maledicência. Vai se foder, Arsênico: aqueles arrebites não fazem nem coceguinhas
no meu cerebelo.
Mal
sabe a vigarista da Cisa que eu possuo ouvido absoluto, além de ser um
psicopata completo. Mal sabe ela. Não me deixa nada constrangido relatar meus
crimes e minha doença, mas a história aqui não é a minha, então dá licença de
voltar aos trilhos da maledicência. Esse treco de ouvir muito bem eu herdei da
minha família do lado esquerdo, ou seja, do lado da minha mãe. Tudo ouvido de
tuberculoso. Posso estar enfiado no quarto e ouvir o Marcílio e a Cisa
conversando dentro do carro, dentro da garagem, com o motor do carro
relinchando a uns 18 metros distantes de mim. Ouço tudo. E numa dessas ouvi: “o Everaldo (euzinho aqui) é um
vagabundo. Fica enfiado no quarto, acho que nem toma banho. Mexendo naquele
computador o tempo inteirinho. Aposto que ele é transviado. Fica vendo putaria na enternéti (como
ela pronuncia) e se masturbando, aposto”.
Amanhã é meu dia de fazer o suco de frutas do café da manhã. Me
deu vontade de fazer de manga. Também vou caprichar nas lâminas de barbear bem
picadinhas. O Marcílio nem toma suco. A Cisa entorna tudo, esfaimada daquele
jeito dela. Vai estrebuchar um bom tempo, duas horas, por aí, é o que calculo.
Depois vai verter sangue por tudo quanto é buraquinho daquele corpitcho de
paquiderme dela. Foda-se, na hora do passamento eu já vou estar me dirigindo
pro aeroporto de Cegonhas, com uma passagem já comprada anteriormente balançando
na mão esquerda e que me levará diretamente pra Guayaquil.
Mandei
bem. Logo logo vai ao ar o meu 18°assassinato por conta da tal da Dona
Maledicência. Tô bem no ranking.
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